Congresso Nacional
- 30/10/2019
O entusiasmo do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ),
com a reforma administrativa não contagia os deputados. Parlamentares ouvidos
pelo Congresso em Foco preveem que a oposição às mudanças nas regras para os
servidores públicos deve ser maior do que a enfrentada pela reforma da
Previdência, cuja tramitação se encerrou no Congresso na semana passada.
A avaliação é de que os servidores se engajarão de forma organizada
no enfrentamento às propostas que o governo pretende enviar ao Legislativo nos
próximos dias. Interlocutores de Maia admitem, de maneira reservada, que ainda
não há clima para a discussão. O assunto deve ganhar força apenas no próximo
ano.
A dificuldade é admitida até mesmo por aliados do presidente
Jair Bolsonaro, como o deputado Fábio Ramalho (MDB-MG). Para ele, o governo
deveria ter discutido com os servidores públicos durante o processo de
elaboração da reforma, o que, segundo ele, não aconteceu.
“Deveria ter sido mais discutido com o funcionalismo. Essa
reforma pode criar um problema do tamanho do enfrentado pelo Chile. A reforma
da Previdência já vinha sendo discutida há dois anos. Quantos servidores
públicos há em Brasília? Eles enchem fácil a Esplanada”, adverte o
ex-vice-presidente da Câmara, conhecido por oferecer jantares a presidentes da
República e parlamentares de todos os partidos.
Vice-líder do governo na Câmara, o deputado Coronel Armando
(SC) reconhece que haverá muita resistência à reforma, principalmente em
relação ao fim da estabilidade para determinadas categorias. Ele acredita, no
entanto, que essa oposição poderá ser superada na base do convencimento. Mas
primeiro, reconhece, será preciso ganhar o apoio da sociedade. "Vai ter
muita resistência. Não sei se mais que houve em relação à reforma da
Previdência. Temos de mostrar para a sociedade que essas mudanças são
necessárias para o país", observa. Armando entende que a reforma só deve ser concluída no
Congresso no início do segundo semestre.
Frente de oposição
A maior resistência à reforma administrativa deve vir da
Frente Parlamentar Mista em Defesa do Serviço Público, que reúne 235 dos 513
deputados e sete dos 81 senadores. Ou seja, mais da metade da Câmara.
Participam da frente parlamentares de 23 partidos. Embora não haja garantia de
que todos se alinharão contra a mudança nas regras para os servidores, o
presidente do grupo, deputado Professor Israel (PV-DF), acredita que o governo
enfrentará sérias dificuldades para aprovar suas propostas.
“A certeza que nos une é desmistificar os mitos com relação
ao serviço público e evitar que os servidores sejam demonizados frente à
opinião pública. Não vamos permitir justificativas fiscais para permitir a
perda de direitos”, disse o Professor Israel ao Congresso em Foco.
Entre as principais mudanças indicadas pelo governo, estão o
fim da estabilidade para determinados grupos, redução salarial e no número de
carreiras, o endurecimento das regras para promoções e a flexibilização do
processo de demissão de servidores. As alterações devem valer para os futuros
funcionários públicos.
Professor Israel ressalta que a estabilidade já não é
absoluta no serviço público. “Prova disso é que a União já expulsou mais de
7.500 servidores nos últimos 15 anos, inclusive por baixo desempenho. São os
servidores que levam adiante as políticas públicas e guardam a memória do
Estado, eles não podem estar suscetíveis a perseguições político-partidárias”,
observa.
Mobilização
De acordo com o coordenador da frente parlamentar, antes de
falar em redução de salários, o governo deveria levar em conta o alto grau de
qualificação dos servidores, reconhecido, ressalta ele, inclusive no último
relatório do Banco Mundial. “Eles que também têm um nível de formação, em
média, cinco vezes maior do que na iniciativa privada”, diz o deputado do PV.
Segundo Professor Israel, a principal mobilização da frente
será para conscientizar os demais deputados sobre a relevância da atuação dos
servidores e desmistificar a falsa imagem de luxos e privilégios que está sendo
construída pelo governo. “Também vamos buscar apoio nas lideranças e blocos
para impedir qualquer retrocesso ou perda de direitos”, afirma.
“Somos contra qualquer reforma que tenha como princípio o
corte de custos, que, por si só, já começa com a proposta errada. Devemos
pensar em tornar o serviço público qualificado, eficiente e de excelência, a
redução de custos será uma consequência”, explica o deputado.
As despesas com pessoal e encargos são a segunda maior do
governo. Perdem apenas para os gastos com Previdência. O governo estima que
serão desembolsados R$ 319 bilhões em 2019 somente para custear os salários do
funcionalismo. Técnicos do Ministério da Economia ainda trabalham no fechamento
das propostas. Os textos, então, passarão pelo ministro Paulo Guedes e pelo
presidente Jair Bolsonaro. Só então seguirá para o Congresso. Maia pretende
incluir algumas das sugestões em proposições que tratam do assunto já em
tramitação na Câmara para acelerar as discussões.
Dificuldade subestimada
Subchefe de Análise e Acompanhamento de Políticas
Governamentais da Casa Civil entre 2003 e 2014, Luiz Alberto dos Santos avalia
que o governo está subestimando as dificuldades que terá pela frente.
“Nada disso é fácil aprovar. A impressão que tenho é que,
como o governo conseguiu aprovar a reforma da Previdência em tempo
razoavelmente curto e sem grandes perdas, os burocratas estão se achando muito
poderosos. Quem tocou a reforma foi o Rodrigo Maia e o Davi Alcolumbre. No caso
de uma reforma administrativa, eles teriam de fazer o mesmo acerto, o mesmo
protagonismo”, opina.
Para ele, o grau de organização dos servidores será
decisivo. “Vai depender da forma como os servidores vão se organizar e reagir.
No cenário atual, as condições da reforma da Previdência e administrativa não
serão a mesma”, considera o professor da Fundação Getúlio Vargas e consultor
legislativo do Senado.
Luiz Alberto também observa que não basta mudar a
Constituição. O governo precisará do apoio do Congresso para fazer alterações
complexas em leis para regulamentar as novas regras.
“São mudanças difíceis. Terá de alterar a lei do regime
jurídico, designar novo regime de trabalho desses servidores, definir hipóteses
de contratação e desligamento. São temas de elevada complexidade técnica que
exigem cautela de qualquer governo. É uma revolução. Teremos dois tipos de
servidores: estatutário, com estabilidade, que não estariam sujeitos a regras
novas. Isso é muito difícil de fazer na prática. É uma ruptura do princípio de
equidade, que vai tornar a gestão pública problemática e até inadministrável”,
diz o ex-assessor da Casa Civil.
Por Edson Sardinha - Formado em Jornalismo pela Universidade
Federal de Goiás em 2000. Integra a equipe do Congresso em Foco desde o
lançamento do site, em 2004.