sábado, 28 de março de 2020

Corte salarial de servidor é de constitucionalidade duvidosa


BSPF     -     28/03/2020




Propõem o ministro da Economia e o presidente da Câmara de Deputados projetos de lei e projetos de emenda à Constituição para permitir que a República Federativa do Brasil faça realocação de receitas de despesas de custeio, a saber, os vencimentos do serviço público federal, para as transferências correntes da seguridade social, em virtude do estado de calamidade pública estabelecido pelo Decreto Legislativo 6/2020.

É o breve relato do necessário.

Passo a uma breve análise fundamentada sobre a medida proposta.

A presente opinio ater-se-á aos aspectos jurídicos, sob o prisma do Direito Constitucional, do Direito Financeiro e do Direito Econômico.

I. Direito Constitucional

Inicialmente, há que se ter em mente que, em casos de calamidade pública, a Constituição prevê, expressamente, a instituição de empréstimo compulsório, mediante lei complementar, nos termos do artigo 148, I, da Constituição da República.

A redução salarial é uma medida que vai de encontro ao atual texto constitucional e à jurisprudência do STF que, por ocasião do julgamento da ADI da Lei de Responsabilidade Fiscal, entendeu que o corte salarial não tem previsão constitucional, conforme regras do artigo 169 e parágrafos da Constituição.

A redução de salário dos servidores públicos não tem previsão constitucional, uma vez que a PEC emergencial ainda não foi votada, esbarrando, outrossim, no princípio da irredutibilidade de subsídios e vencimentos, a teor da regra do artigo 37, XV, da Constituição da República.

Assim, a única alternativa constitucionalmente válida, no caso de calamidade pública é a instituição de empréstimo compulsório.

As hipóteses do artigo 169 da Constituição somente encontram guarida para cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal, o que não se aplica na hipótese de calamidade pública, devendo seguir a seguinte ordem:

1) A redução dos cargos comissionados;

2) Exoneração dos servidores não estáveis;

3) Exoneração dos servidores estáveis, mediante pagamento de indenização.

Ainda que o estado de calamidade pública evolua para um estado de defesa, não há previsão de redução de salários, a teor do artigo 136 da Constituição.

Encerrando o presente tópico, há que se ressaltar que redução salarial, acompanhada de redução proporcional de jornada, é medida que pode ser aplicada. Todavia, determinadas atividades do setor público, que laboram sob regime de carga de trabalho, não de jornada de trabalho, tais quais a defensoria pública, advocacia pública, promotoria de justiça e magistratura, por exemplo, seguem um relação de produtividade, vinculada ao cumprimento de prazos peremptórios, os quais, sem autorização legal, não podem deixar de ser cumpridos, sob pena de responsabilização.

II. Direito Financeiro

É público e notório que o governo federal está com o orçamento completamente comprometido e precisa reduzir despesas e realocar receitas.

Para tanto, vai mexer nas despesas orçamentárias de custeio (fixas e obrigatórias, dentre as quais se encontra o pagamento de pessoal), para poder aumentar repasses às transferências correntes, para a seguridade social, em especial, a saúde, a assistência e a previdência.

Isso irá gerar um fluxo de caixa que, temporariamente, a curto prazo, impedirá o Executivo de aumentar a dívida pública para tanto.

Uma solução alternativa, seria a suspensão temporária nas despesas de transferência corrente, do juros da dívida pública, requerendo moratória internacional, face ao estado de calamidade de saúde pública, declarado nos termos do Decreto Legislativo 6/2020, que reconheceu a pandemia mundial da Covid-19, declarada pela OMS.

III. Direito Econômico

Com a economia parada, com o ciclo econômico estagnado, a arrecadação irá cair, e o Tesouro Nacional não terá como realizar, sequer, as despesas orçamentárias de custeio.

A microeconomia nacional está sob risco de colapso, devido à quarentena horizontal adotada por diversos estados e municípios, seguindo a recomendação do Ministério da Saúde.

Medidas de intervenção macroeconômica se fazem necessárias, porém, há que se ter em mente que arrolamento de juros e de pagamento de dívidas, distribuição de benesses assistencialistas são medidas meramente paliativas das consequências econômicas da crise de saúde pública, não se traduzem em solução definitiva.

Por óbvio, quanto mais cedo:

1) Voltarmos à normalidade de nossas atribuições, tanto no setor público, quanto no setor privado;

2) Retomarmos nossas vidas cotidianas;

3) Retomarmos o comércio varejistas de bens de consumo e prestação de serviços;

4) As atividades econômicas de produção, distribuição e consumo,

menos risco teremos de entrar em recessão e termos nosso sustento comprometido.

IV. Conclusão

Ante todo o exposto, entendemos que:

1) As medidas de redução salarial do serviço público, ainda que via projeto de emenda à Constituição, apenas sob a justificativa do estado de calamidade pública, são de juridicidade duvidosa, uma vez que a Constituição da República prevê instituição de empréstimo compulsório para tanto, colidindo, ainda, com o princípio da irredutibilidade salarial;

2) O aumento de repasse de receitas das despesas de custeio para as transferências correntes deveria ser precedido de suspensão temporária do pagamento dos juros da dívida pública, antes da medida acima citada;

3) A estagnação da economia doméstica e do comércio exterior brasileiros, inexoravelmente, vão comprometer a capacidade arrecadatória do Estado, gerando, a médio e longo prazo, a real possibilidade de suspensão do pagamento de suas despesas de custeio e transferências correntes;

4) A única solução plausível para que a crise de saúde pública não gere recessão e depressão econômicas sérias e nefastas é a retomada gradual das atividades microeconômicas, tanto no setor público, quanto no setor privado.

É a opinio sub censura.

Por Leonardo Vizeu Figueiredo - procurador federal, presidente da Comissão de Direito Econômico da OAB-RJ, especialista em Direito Público pela Universidade Estácio de Sá e em Direito do Estado pelo Universidade do Estado do Rio de Janeiro, mestre em Direito pela Universidade Gama Filho e doutor em Direito pela Universidade Federal Fluminense.

Fonte: Consultor Jurídico


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