quarta-feira, 23 de junho de 2021

Inovação na administração pública: da Constituição aos modismos gerencialistas da PEC 32

 

Congresso Em Foco     -     23/06/2021


A Comissão Especial destinada a emitir parecer sobre a proposta de emenda à Constituição Federal de 1988, por meio da PEC 32/2020, divulgou plano de trabalho relativo aos temas que deverão compor as audiências públicas para debater a proposta. O primeiro escolhido é o relevante tema da Inovação na Administração Pública.

De modo geral, entende-se por inovação na administração pública o conjunto de processos de trabalho e o conjunto de entregas de bens e serviços à população que, dotados de aperfeiçoamentos incrementais e/ou abruptos/disruptivos, assentados ou não em incorporação e difusão de novas tecnologias de informação e comunicação e/ou novas tecnologias administrativas e sociais, possam engendrar ganhos imediatos e/ou paulatinos de eficiência, eficácia e efetividade da ação pública com relação às formas de organização e operação das diversas estruturas, instâncias e níveis de atuação dos aparelhos de Estado.

Para exemplificar essa definição, geralmente se lança mão das novas tecnologias (de informação, comunicação, administrativas e sociais) disponíveis no mundo privado, as quais, se incorporadas ao setor público, representariam ganhos, diz o discurso, praticamente imediatos em termos de economia de recursos físicos e humanos (ambos os tipos considerados sempre obsoletos pela ótica gerencialista), com o que rapidamente se poderia incrementar a produtividade individual do capital humano, rumo a um Estado digital. A digitalização de procedimentos e documentos, juntamente com a automação máxima de rotinas administrativas e de serviços públicos junto à população, dentre outros exemplos, são sempre usados para atestar a inexorabilidade e a necessidade de introdução célere deste tipo de inovação na administração pública. 

Ora, é claro que ninguém em sã consciência parece ser contra tais melhoramentos advindos da introdução de tecnologias inovadoras de informação, comunicação, administrativas e sociais no âmbito público. Mas ocorre que, primeiro, boa parte delas nasce e cresce dentro e a partir do próprio setor público brasileiro, e não apenas como obra e graça dos estímulos privados de mercado. Os exemplos disso são inúmeros e isso acontece porque na gênese desses processos inovadores está um componente ausente nas inovações meramente transpostas do setor privado, qual seja, o conhecimento tácito produzido cotidiana e informalmente pelos confrontos diários que acontecem entre servidores públicos e problemas públicos no interior da máquina pública. 

Faço questão de reforçar o adjetivo “públicos” na frase anterior, apenas para reforçar a ideia de que, na prática, grande parte das tais inovações necessárias e desejáveis à administração pública brasileira, ou estão sendo produzidas silenciosamente em âmbitos público-estatais existentes, ou poderiam/deveriam ser produzidas ou incentivadas como parte de uma política pública especialmente destinada a isso. Para tanto, haveria que se identificar, estimular e valorizar os setores e agentes portadores das mudanças pretendidas, pois muito melhor que consultorias privadas externas, são os próprios servidores públicos os que mais e melhor conhecem os problemas malditos (wicked problems) que os acometem em seu dia a dia de trabalho. Ademais, há diferenças qualitativas notórias entre ambientes privados e públicos, as quais fazem toda a diferença relativamente ao tipo de tecnologia a adotar. 

De todo modo, qualquer que seja a fonte da inovação, até aqui falamos apenas em tecnologias, supostamente inovadoras, que prometem incrementar a capacidade estatal de fazer o que precisa ser feito de forma mais eficiente e quiçá mais eficaz... Isto é, apenas falamos da incessante (e muitas vezes insana) busca geral por redução de custos, racionalização de procedimentos, manutenção ou ampliação das capacidades e quantidades de entrega com menor ou igual quantidade de insumos etc. Vale dizer: as importantes – mas insuficientes – dimensões da eficiência e da eficácia do gasto e da atuação pública. Por meio de inovações deste tipo, pode até ser que a administração consiga fazer de modo mais econômico, eficiente e eficaz tudo aquilo que já faz, já que até agora não havia aparecido nessa discussão a dimensão mais importante de todas: a da efetividade da ação pública.

A efetividade da ação pública se refere à capacidade de enfrentamento dos problemas atávicos do país e transformação para melhor das estruturas econômicas e sociais que os geram e reproduzem. Em uma palavra, trata-se da capacidade de implementação, por meio de uma burocracia profissional e políticas públicas adequadas, das condições necessárias à efetivação do projeto nacional de desenvolvimento, algo que é impossível de ser conquistado sem um Estado forte, ativo e capaz. Dito isso, fica claro que inovações na administração pública não são...

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