Valor Econômico - 24/02/2012
A capitalização do sistema previdenciário tem sido um dos
maiores desafios para as democracias, nos últimos anos, diante do
envelhecimento da população e da necessidade de garantir direitos individuais
básicos. No Brasil, o grande contraste entre os regimes público e privado de
aposentadoria representa um dos principais nós do problema, cujo desembaraço é
tarefa árdua tentada pelos últimos três presidentes da República.
A reforma da previdência, esboçada por Fernando Henrique
Cardoso, e avançada por Luiz Inácio Lula da Silva, ganhou novo fôlego agora com
Dilma Rousseff, que apontou como prioridade máxima de seu governo neste ano a
aprovação pelo Congresso Nacional da criação da Fundação de Previdência
Complementar do Servidor Público Federal (Funpresp).
O objetivo principal da Funpresp é equilibrar as contas
públicas e amenizar a distorção entre o modelo previdenciário do trabalhador do
setor privado e o do funcionalismo público. Enquanto para o primeiro há um teto
de aposentaria, hoje de R$ 3.912,20, o servidor goza de benefícios integrais
que nas carreiras mais bem remuneradas equivalem ao teto de R$ 26,7 mil,
baseado no rendimento dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).
A consequência direta do pagamento desses benefícios pelo
Estado reflete-se no peso desproporcional de cada regime para os cofres
públicos. Enquanto o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) teve, no ano
passado, déficit de R$ 36,5 bilhões para atender 29 milhões de beneficiários da
iniciativa privada, o Regime Próprio de Previdência dos Servidores Públicos
(RPPS) registrou rombo 54% maior, de R$ 56 bilhões, para atender menos de 1
milhão de servidores.
A necessidade de mudanças é ainda maior quando se sabe que o
déficit da Previdência do setor privado tem caído nos últimos anos - houve uma
redução de 22% em relação a 2009 - enquanto a expectativa é de crescimento do
rombo do setor público. De acordo com o Ministério da Previdência Social, a
previsão é que o saldo negativo chegue a R$ 60 bilhões em 2011, em comparação
com R$ 51 bilhões em 2010.
Para piorar, a expectativa é de que, num prazo de apenas
cinco anos, cerca de 40% dos servidores estarão em condições de se retirar e
provocar uma onda de aposentadorias e, em consequência, um boom de novas
contratações. É preciso corrigir a rota antes da entrada desse novo contingente
de servidores.
É compreensível, portanto, a urgência dada pela presidente à
aprovação da Funpresp. O projeto estabelece o mesmo teto do INSS para o
funcionalismo público civil federal e cria um fundo de pensão complementar para
o incremento das aposentadorias.
Com a medida, a estimativa é que a União economize R$ 26
bilhões por ano durante um período de 35 anos. São recursos capazes de aliviar
as contas públicas e gerar um clima mais favorável a investimentos tão
necessários em outras áreas, como a social e de infraestrutura.
A regulamentação da incompleta reforma da Previdência, nesse
sentido, deveria ser entendida mais como uma questão de Estado do que de
governo, pelos benefícios que pode trazer ao país. É preciso, no entanto,
ultrapassar as contendas partidárias, de um lado, e as resistências
corporativistas, de outro.
Na arena legislativa, a oposição, embora dividida, resiste à
proposta, não obstante concessões feitas pelo Executivo. Na discussão do
projeto, o governo cedeu em alguns pontos, como a criação de um fundo de pensão
para cada um dos três Poderes; a paridade na participação de representantes dos
servidores e pensionistas nos conselhos deliberativo e fiscal e na diretoria
executiva da fundação; e o aporte maior da União (8,5% em vez dos 7,5%).
Em outra trincheira, grupos de interesse dos funcionários
públicos organizam-se para barrar a Funpresp, sob a alegação de que seria
inconstitucional. As queixas maiores partem do Judiciário, liderados pelas
associações de magistrados, que gostariam de receber "tratamento
especial" e reclamam que a discussão do projeto passou ao largo das
"entidades representativas das classes".
É um grupo de pressão, como tantos outros, com interesses a
defender, mas que não deveriam questionar o Congresso como o legislador
legítimo da sociedade.
As preocupações mais sensatas em relação à Funpresp dizem
respeito a seu modelo de governança. Será o maior fundo de pensão da América
Latina, e a probabilidade de que seus recursos se transformem num poderoso
instrumento a serviço dos partidos que lideram o governo de plantão não é nada
desprezível.