André Vaz Lopes
Valor Econômico
- 02/05/2014
Em tempos de grande interesse da sociedade sobre os
critérios para ocupação de cargos comissionados na administração pública
brasileira é importante que bons exemplos também sejam destacados.
Desde a década de 1930 todo e qualquer posto de chefia e
direção passou a ser exercido por confiança. Apesar de permitir uma rápida
renovação dos dirigentes à época, tal prática adotada indiscriminadamente gerou
outros males para a administração pública, fortalecendo os laços clientelistas
entre os nomeados e os nomeadores, uma vez que nem sempre a ocupação de tais
cargos ocorre necessariamente em decorrência do mérito e desempenho do
escolhido.
Existem na administração pública federal brasileira mais de
cem mil cargos e funções de confiança. Muitas dessas gratificações são
conferidas de acordo com o trabalho exercido, como gratificações por serviço
extraordinário e gratificações de representação em gabinete. Outros tantos,
porém, são cargos de livre provimento destinados à ocupação de chefias e
assessorias, em todos os níveis hierárquicos, fazendo com que praticamente
todas as posições com poder no processo decisório do serviço público sejam
preenchidas por livre nomeação.
Além de selecionar corretamente os seus gestores, os órgãos
precisam ainda ser mais transparentes.
A inexistência de processos de seleção formal para ocupação
de cargos gerenciais contribui para uma vinculação tácita entre aqueles que
desejem ocupar tais posições e os detentores de poder para nomeá-los, criando
uma hierarquia informal dentro da burocracia pública.
Contudo, iniciativas isoladas de alguns órgãos públicos
parecem apontar para uma mudança nesse paradigma. Recentemente a Agência
Nacional de Telecomunicações divulgou processo seletivo voltado apenas para
servidores públicos federais, para ocupação de cargo comissionado no gabinete
de um dos seus conselheiros. No segundo semestre de 2013, o Ministério do
Planejamento, Orçamento e Gestão realizou uma seleção pública para ocupação de
cargos de livre nomeação, contando com a participação de mais de 600
candidatos.
Uma das iniciativas mais consistentes foi implantada pela
Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Desde 2012 a Anvisa instituiu
processos seletivos públicos para ocupação de cargos comissionados de alto
escalão. A partir de então, a ocupação destes cargos, que são de livre
nomeação, deixou de ser por indicação do diretor-presidente e passou a ser por
meio de processo seletivo público, composto por análise curricular e entrevista
realizada em conjunto por todos os diretores da agência.
No início deste ano a Anvisa concluiu a seleção dos seus
novos superintendentes, agregando ao processo seletivo, além da análise
curricular e a entrevista, a apresentação escrita de um plano de trabalho para
a área a qual o candidato concorreu. Em um país onde historicamente as
indicações políticas para ocupação de cargos comissionados parecem ser a regra,
o resultado da seleção promovida pela Anvisa surpreendeu. Para os nove novos
cargos, que terão salário de até R$ 12 mil, foram selecionados apenas servidores
públicos concursados, sendo a maior parte dos próprios quadros da agência,
mesmo após uma seleção aberta a qualquer pessoa.
Exemplos como estes mostram a preocupação de alguns órgão
públicos em de fato profissionalizar o seu quadro gerencial, deixando cada vez
mais pra trás os cabides de emprego para apadrinhados ou aventureiros.
Estudos realizados por dois autores americanos, Peter Evans
e James Rauch, junto a países desenvolvidos e em desenvolvimento, apontam uma
relação direta entre a profissionalização das estruturas burocráticas estatais
e o desenvolvimento econômico de cada nação. Variáveis relativamente simples,
facilmente identificáveis, caracterizam as burocracias estatais eficazes:
salários competitivos, promoção interna, estabilidade na carreira e
recrutamento meritocrático.
No Brasil, houve reajustes significativos nos últimos anos
nos salários dos servidores públicos, buscando torná-los mais atrativos. A
legislação garante a estabilidade funcional e o concurso público é uma maneira
de recrutamento meritocrático e transparente. Resta ainda avançar nas formas de
provimento laterais, como as nomeações para os cargos de livre nomeação, e
iniciativas de promoção e crescimento na carreira. A realização de processos
seletivos para cargos gerenciais, além de permitir uma maior qualidade no
processo de escolha dos gestores públicos, possibilita o surgimento de novas
lideranças e abre oportunidades de crescimento para os servidores públicos,
aproximando a burocracia estatal brasileira daquelas vistas como mais eficazes.
É preciso, no entanto, que a realização destes processos de
seleção deixem de ser iniciativas isoladas de algumas instituições e passe a
ser uma política voltada para a melhoria da Gestão Pública. Além de selecionar
corretamente os seus gestores, os órgãos precisam ainda dar transparência sobre
quem ocupa cada cargo, qual a sua formação, qual a sua experiência e como
chegou até ali. Avançando um pouco mais no modelo, podemos chegar um dia a ver
publicado no portal de cada instituição as metas individuais de cada gestor e
os resultados que foram alcançados.
Com isso, a sociedade poderá saber para onde cada órgão está
indo, como está sendo dirigido e cobrar daqueles que não alcançaram resultados
satisfatórios. Tais práticas certamente farão com que os governantes escolham
melhor as suas equipes de gestores, sejam eles servidores públicos ou não.
André Vaz Lopes é graduado em administração pública e mestre
em desenvolvimento e políticas públicas, é servidor público efetivo da Anvisa e
superintendente de gestão interna da agência.