Na entrevista publicada pelo Estadão no dia 19, ao presidente da República foi perguntado sobre o inchaço da máquina federal pela contratação de 100 mil novos servidores. Em resposta o presidente comparou os 11 cargos comissionados por 100 mil habitantes, do governo federal, com os 31, do governo do Estado de São Paulo, e com os 45, da Prefeitura de São Paulo. No dia seguinte o governo de São Paulo contestou, afirmando que o número correto era 15, em vez de 31, e a Prefeitura de São Paulo não se manifestou.
É interessante abordar esse fato, pois o que está por trás disso é o tamanho do Estado. Infelizmente, pouco se avançou nessa discussão, com avaliações do tipo: aumento ou redução do número de servidores, crescimento ou não das despesas com pessoal, quanto elas representam da receita, etc.
O máximo que a Lei de Responsabilidade Fiscal conseguiu foi estabelecer um limite para a relação entre despesas de pessoal e receita, que é de 60%, para os Estados e municípios, e de 50%, para a União, incluindo nesses limites as despesas com pessoal do Executivo, Legislativo, Judiciário e do Ministério Público. Segundo dados da Secretaria do Tesouro Nacional com base nos balanços orçamentários de 2008, essa relação foi de 41% para os Estados, 43% para os municípios e de 18% para a União.
A avaliação que deve ser feita sobre o número e a distribuição por função dos servidores públicos deve passar necessariamente pelas competências que devem ser exercidas por eles segundo o que prevê a Constituição federal, e os salários devem ser compatíveis com as funções que desempenham.
Pela Constituição, o setor público deve garantir a todos a educação básica desde a creche até o ensino médio. Sabe-se que há falta de vagas nas creches, na pré-escola e no ensino médio; faltam salas de aula e professores em número suficiente para atender à demanda; sem falar na baixa qualidade do ensino. Na saúde, que deve ser garantida a todos, milhares de vidas são perdidas por falta de atendimento, ou atendimento apressado para reduzir filas.
Desconheço avaliações que cotejam as responsabilidades que são atribuídas pela Constituição com o número necessário de servidores públicos para exercê-las. Algumas análises sobre os salários, comparando com médias salariais pagas pelo mercado, correm o risco de induzir a erro, pois em muitos casos é difícil comparar as atribuições de funções.
O que parece ocorrer, independentemente do número total de servidores, é uma má distribuição deles entre as funções-meio e fim, com excesso de participação na primeira e falta dela na última. As funções-meio operam a burocracia e nelas estão especialmente os suportes administrativos, operacionais e jurídicos para as atividades desempenhadas pelas funções-fim, que objetivam as prestações de serviços como educação, saúde, segurança pública, bem-estar social, previdência social, fiscalização e outras que envolvem o contato direto com a população.
A precariedade de atendimento nas funções-fim - por mais que tenham evoluído, como por exemplo no caso da Previdência Social (redução das filas e do tempo para a concessão das aposentadorias) - persiste em áreas importantes, como educação, saúde e segurança pública, que deixam muito a desejar.
Nas funções-meio tem-se um sério problema que gera a burocracia e incha a máquina pública: o cipoal de leis, decretos e portarias, que cresce a cada dia. O servidor público deve operar respeitando-as e, caso não o faça, mesmo que involuntariamente, está sujeito a sofrer sanções que vão desde repreensões e multas até, no limite, a perda do cargo e o ressarcimento do prejuízo causado. Assim, ao despachar um processo, caso envolva decisões que podem ser questionadas, é comum consultar formalmente outra seção, o que atrasa a sua conclusão.
Outra questão que deve ser levada em conta no crescimento do número total de servidores é que, com o passar do tempo, para atender à pressão da demanda, vão sendo construídas escolas, postos de saúde, hospitais e outros equipamentos públicos que requerem novos servidores para o seu funcionamento.
Para avançar nas discussões e avaliações sobre a questão do funcionalismo, longo caminho deverá ser percorrido e esta é apenas uma modesta contribuição. É salutar que outras possam ocorrer, pois não faltam pessoas com larga experiência no setor público que podem contribuir para uma melhor compreensão dessa problemática.
*Amir Khair, mestre em Finanças Públicas pela FGV, é consultor