Cristiano Romero
Valor Econômico - 07/12/2011
A presidente Dilma Rousseff está conduzindo duas reformas
estruturais: a regulamentação da emenda constitucional que iguala os regimes de
aposentadoria de trabalhadores dos setores público e privado, e a concessão de
aeroportos à iniciativa privada. A primeira reforma, além de enfrentar o
problema do déficit da previdência a longo prazo, estimulará a formação de
poupança doméstica, um passo importante para o país depender menos de recursos
externos para financiar seu crescimento. A segunda ajudará a aumentar a
eficiência da economia.
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva iniciou sua
gestão, em 2003, com surpreendente ímpeto reformista. Quis mudar os regimes
previdenciário e tributário, além da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
No fim, desistiu das reformas tributária e trabalhista, mas aprovou, com
dificuldade, a da previdência do setor público, desagradando ao funcionalismo
público,uma das bases sociais do PT.
Lula considerou tão elevado o custo político daquela reforma
que desistiu de regulamentá-la. Depois do escândalo do mensalão, abandonou de
vez o projeto. Para se sustentar no cargo, reaproximou-se do movimento
sindical, com quem firmou pacto para não privatizar nem fazer concessões ao
setor privado no segundo mandato, e manteve-se longe de toda e qualquer medida
considerada "impopular".
É por essa razão que o projeto de lei 1.992, de 2007,
adormeceu nos escaninhos do Congresso por absoluta falta de interesse do
governo e de sua base de apoio em colocá-lo para votação. O projeto cria a
Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal (Funpresp), o
fundo de pensão do funcionalismo. Sem a aprovação dessa lei, a reforma da
previdência de 2003 não entra em vigor.
Além de tirar o projeto de lei do limbo, a presidente Dilma
determinou que ele fosse analisado em regime de urgência constitucional (a
votação tem que ocorrer no prazo de 45 dias em cada Casa do Congresso, do
contrário, tranca a pauta de votação). A decisão marca a retomada das reformas
estruturais, iniciadas pelos governos pós-ditadura militar, aceleradas pela
gestão Fernando Henrique Cardoso e interrompidas por Lula.
As mudanças na previdência vão reduzir de forma
significativa, no longo prazo, o risco atuarial da previdência social. No curto
prazo, como bem lembra a equipe de economistas do banco Credit Suisse, o
déficit previdenciário, hoje em torno de R$ 120 bilhões se levados em conta
todos os regimes (geral e próprios do serviço público), aumentará porque o
Tesouro Nacional será obrigado a fazer aportes ao fundo (ou fundos, caso cada
poder da República tenha o seu) de previdência complementar dos funcionários
públicos.
Com a criação dos fundos de pensão, o economista Marcelo
Abi-Ramia Caetano, do Ipea, calcula que a despesa previdenciária da União
aumentará, nas três primeiras décadas, um pouco acima de 0,10% do Produto
Interno Bruto (PIB) em alguns anos. Depois disso, haverá redução do gasto anual
em até 0,2% do PIB.
As novas regras só valem para aqueles que ingressarem no
serviço público após a criação do fundo de pensão. Não alteram, portanto, o
status quo dos atuais funcionários públicos, o que torna incompreensível a
reação dos mesmos à mudança. Eles continuarão a gozar do benefício à
aposentadoria quase integral. Além disso, os futuros servidores não têm o que
temer. No novo regime, como todo empregado do setor privado, eles estarão
submetidos ao teto pago pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), hoje
fixado em R$ 3.691,74, mas terão o direito de receber complementação de
aposentadoria, benefício que, infelizmente, a maioria dos trabalhadores não
tem.
A unificação das regras de aposentadoria é, além de uma
medida econômica relevante, uma questão de justiça social. Enquanto, na média,
um trabalhador do setor privado contribui anualmente com R$ 5.621 para o INSS,
um servidor público recolhe R$ 7.768 aos regimes próprios do setor público. O
problema é que, enquanto o benefício mensal médio recebido pelo funcionário é
de R$ 1.733, o do aposentado ou pensionista é de R$ 780 .
Cristiano Romero é editor-executivo e escreve às
quartas-feiras