Valor Econômico - 07/12/2011
Chega em bom momento a notícia de que o governo decidiu
blindar as diretorias do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes
(Dnit) para indicações político-partidárias. A partir de agora, as
superintendências regionais e coordenadorias gerais da autarquia somente
poderão ser ocupadas por servidores do quadro do departamento, segundo ato
oficialmente baixado ontem pelo Ministério dos Transportes.
Trata-se de desdobramento natural da faxina realizada no
ministério, no primeiro semestre, pela presidente Dilma Rousseff. Espera-se que
medidas semelhantes sejam tomadas em relação a outras pastas atacadas pela
praga do aparelhamento partidário, que a cada dia demonstra-se mais insidiosa e
maior do que deixava supor o noticiário político.
Só no Ministério do Trabalho, 20 de suas 27
superintendências regionais (as antigas delegacias regionais) são ocupadas por
indicações do PDT, de acordo com informação do presidente do PT, Rui Falcão
(SP), não desmentida pelo partido do ex-ministro Carlos Lupi, demitido do
governo. O Ministério do Esporte, feudo do PCdoB, um partido nanico, mas aliado
fiel e histórico das candidaturas Lula da Silva, também mantinha esquema
parecido nos Estados. Na realidade, o comportamento do PDT e do PCdoB não é uma
exceção, mas a regra.
A medida adotada pelo governo em relação ao Dnit, como se
afirmou, chega em boa hora e melhora a autoestima dos funcionários de carreira,
que passam a vislumbrar a possibilidade de crescimento profissional, em vez da
preterição devido a algum apadrinhamento político.
A medida é boa, mas o governo deve precaver-se, sobretudo,
de recair na tentação da República tecnocrática, como ocorreu em boa parte do
regime ditatorial militar de 1964, principalmente quando Brasília se julgava no
direito de decidir a sorte de populações longínquas do centro político da
federação, a partir de gabinetes distantes. O desenvolvimento desordenado e
desigual da Amazônia é um dos exemplos mais bem acabados da tecnocracia que por
algum tempo mandou e desmandou no país.
Não há dúvida de que o aparelhamento do governo pelos
partidos, em especial a entrega de ministérios de porteira fechada, é um
parasita que corrói as entranhas da administração. O paradigma não é o bem
comum, o ideal republicano ou o programa partidário. Nos últimos escândalos, Organizações
Não Governamentais serviram de fio condutor do dinheiro público para os bolsos
dos malfeitores. Mudaram apenas os meios, ou alguém já esqueceu do funcionário
dos Correios embolsando um pacote de notas, episódio que esteve na origem da
descoberta do escândalo do mensalão?
O Ministério dos Transportes, aliás, é um pioneiro em
práticas heterodoxas de lidar com o dinheiro do contribuinte. A ponto de o
antigo Departamento Nacional de Estradas de Rodagens (Dner) virar sinônimo de
corrupção e ter de trocar de nome para Dnit. Não é coisa só dos governos Dilma,
Lula ou do tucano Fernando Henrique Cardoso. Vem de longe, muito longe. Viajou
nos trilhos da ferrovia Norte-Sul e era a mão oculta que mudava a ordem do
pagamento de precatórios.
Nos próximos 45 dias, o Dnit divulga o documento com os
requisitos mínimos de capacitação e qualificação que serão exigidos dos
servidores da autarquia para ocupar os cargos referidos. E, em 90 dias, será
concluído o plano de desenvolvimento gerencial para a formação continuada de
servidores. A carreira é um antigo pleito dos funcionários concursados do Dnit.
O Brasil tem um exagero dos chamados cargos de confiança,
estimados em mais de 20 mil no serviço público federal. O ex-ministro do
Trabalho Carlos Lupi vangloriava-se, por exemplo, de ter nada menos do que 600
cargos de confiança a seu dispor. É muito, mesmo para um presidencialismo de
coalizão como o brasileiro, em que os partidos são divididos internamente e
cada fração exige o seu quinhão no governo.
Se o regime híbrido que nos foi legado pela Constituição de
1988 requer coalizões majoritárias, em nome da governabilidade, que ao menos
governo e Congresso assimilem as boas coisas do regime parlamentarista, como é
o caso da criação de uma burocracia estável, e que as mudanças nos cargos de
confiança sejam as menores possíveis, a cada troca de guarda no Palácio do
Planalto, como ocorre nos regimes de gabinete.