Antonio Delfim Netto
Folha de S. Paulo
- 27/06/2012
SÃO PAULO - Vamos
tratar, nesta coluna, de um assunto triste e assustador. Triste porque reduz a
fundamental e necessária respeitabilidade do Legislativo, do qual se espera: 1)
a aprovação de Orçamentos apropriados para estimular o desenvolvimento social e
econômico do país; 2) a fiscalização rigorosa de sua execução.
Assustador porque revela o descuido com que o Executivo
acompanha o trânsito das medidas propostas no Congresso que podem comprometer o
equilíbrio fiscal e que, de "mansinho", vão atravessando as comissões
até se tornarem sérios problemas de plenário --cujo controle vai exigir um
enorme esforço da maioria governamental e que sempre termina em onerosas
concessões segundo o axioma moral do Legislativo: "Quem senta à mesa, tem
que negociar".
A Comissão Especial da Câmara aprovou uma misteriosa
proposta de emenda constitucional que, praticamente, destitui o Poder
Executivo. Termina com os tetos salariais e os controles que limitam o aumento
indiscriminado da remuneração do funcionalismo público. Completa, assim, a
grande missão dos sindicatos do setor em Brasília: de servidores do público,
pretendem ser servidos pelo público!
Um amigo que conhece como funciona o Congresso me afirmou
que tal "barbeiragem" da assessoria legislativa do Executivo não
coloca em risco, de fato, o equilíbrio fiscal. É apenas uma mensagem,
provavelmente eivada de irregularidades regimentais. Foi aprovada enquanto
todos estavam voltados para a Rio+20 e às vésperas das festividades de São
João, que pretere todos os outros compromissos.
Nenhum membro da maioria esteve presente para pedir
"verificação de votos". Um bom assunto para a imprensa seria divulgar
a ata da reunião da Comissão Especial para que toda a nação tome conhecimento
dos argumentos dos espertos fautores para si mesmos, por intermédio do
funcionalismo, à custa dos bolsos dos seus próprios eleitores!
Tomado de surpresa, o Executivo vai agora se organizar para
repelir a absurda proposição que, se aprovada, nos levaria à situação de
completo desequilíbrio fiscal, com consequências imediatas: uma elevação do
"risco Brasil", um aumento da taxa de juros real, um aumento do custo
da dívida pública interna e externa, além de desestabilizar as
"expectativas" inflacionárias. Tudo aquilo que tentamos corrigir nos
últimos anos.
A proposta é lenha para a fogueira que está sendo armada
pelo sindicalismo encastelado em Brasília: uma reivindicação generalizada de
exagerados aumentos salariais. O funcionalismo e suas viúvas precisam ser
adequadamente remunerados, mas é claro também que os recursos para atendê-los
têm seus limites nos bolsos dos eleitores.
Antonio Delfim Netto, ex-ministro da Fazenda (governos Costa
e Silva e Médici), é economista e ex-deputado federal. Professor catedrático na
Universidade de São Paulo.