Valor Econômico - 25/06/2012
O país foi surpreendido na semana passada com a notícia de
que uma Comissão Especial da Câmara dos Deputados aprovou uma proposta de
emenda constitucional que acaba com o teto salarial dos servidores públicos
brasileiros. A proposta ainda será submetida ao plenário da Câmara dos
Deputados e, se aprovada, passará também pela apreciação do Senado. Há,
portanto, um longo percurso pela frente. É importante observar, no entanto, que
o limite remuneratório para os funcionários públicos, na prática, não existe.
A Constituição estabelece, em seu artigo 37, que o subsídio
mensal do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) é o teto da remuneração de
todos os servidores públicos, incluídas no cálculo as vantagens pessoais ou de
qualquer outra natureza. Como esse dispositivo nunca foi regulamentado, cada um
dos Poderes interpreta o texto constitucional à sua maneira.
No Senado e na Câmara, por exemplo, uma gratificação por
exercício de função não entra no cálculo do limite. Os servidores com essa
gratificação, e são centenas deles, podem ultrapassar o teto, que hoje está em
R$ 26,7 mil. Os senadores podem também acumular a remuneração pelo exercício do
mandato com uma aposentadoria. Muitos deles foram governadores e possuem
aposentadoria pelo cargo que exerceram.
No Legislativo, numerosos servidores se aposentam e retornam
à ativa para exercer cargo em função comissionada. Eles passam a acumular os
proventos da aposentadoria com a remuneração do cargo que assumiram. Muitas
vezes eles trocam apenas de Casa: os que eram servidores da Câmara ocupam cargo
em comissão no Senado, e vice-versa. Com a entrada em vigor da lei de acesso à
informação, as mesas da Câmara e do Senado anunciaram que divulgarão os
salários de seus servidores, o que poderá explicitar essa situação.
No Judiciário, o assunto é regulado pelas resoluções 13 e 14
do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Pelas regras em vigor, o próprio
ministro do Supremo Tribunal Federal poderá ultrapassar o limite remuneratório
se estiver no exercício de função no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), pela
qual recebe uma gratificação. Um servidor aposentado do Judiciário pode, por
exemplo, fazer um concurso para juiz. A remuneração no cargo de magistrado não
será somada aos proventos da aposentadoria para o cálculo do teto.
O entendimento do Executivo é diverso, pois o governo
federal não aceita a acumulação dos proventos de aposentadoria com o de
remuneração por exercício de função comissionada. É pedido ao funcionário que
declare se tem outra fonte de renda. Os computadores são programados para fazer
o cruzamento com outras fontes de informação, de tal forma que a situação
irregular é identificada. O corte é feito automaticamente.
No Executivo, a ultrapassagem do teto se dá de uma forma
mais sutil, que beneficia apenas os funcionários do escalão superior, aqueles
que participam dos conselhos de administração e fiscal de empresas públicas e
de economia mista. Essas empresas pagam jetons pelas participações nos
conselhos, o que leva esses funcionários - ministros, secretários-executivos de
ministérios, secretários e subsecretários - a acumular supersalários, alguns
deles mais do que o dobro do subsídio de ministro do STF.
A proposta aprovada pela Comissão Especial da Câmara dos
Deputados acaba com o teto remuneratório porque permite que os proventos de
aposentadorias possam ser acumulados com a remuneração do exercício de cargo em
comissão. Acaba também com os subtetos para os servidores dos Estados e dos
municípios, que foram estabelecidos pela emenda constitucional 41, no primeiro
ano do governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com o objetivo de
evitar a farra dos supersalários.
Em vez de propor mudanças no texto constitucional, o
Congresso Nacional deveria regulamentar o dispositivo da Constituição que
estabelece o teto remuneratório e, desta forma, padronizar o entendimento entre
os três Poderes. Quando ainda estava no Senado, a ministra-chefe da Casa Civil,
Gleisi Hoffmann, apresentou um projeto de lei propondo essa regulamentação. No
projeto, ela especificava tudo o que seria considerado no cálculo do teto e
aquilo que ficaria fora. O projeto de Gleisi dorme na gaveta de alguma comissão
do Senado, pois não interessa aos senadores que acumulam aposentadoria e
remuneração pelo exercício do mandato dar seguimento a ele.