Correio Braziliense - 16/07/2012
A lei que vai fechar o ralo do pagamento das aposentadorias
aos servidores públicos deve começar a valer no fim do ano, mas os efeitos
serão demorados. Enquanto isso, o governo calcula que o volume de gastos com os
benefícios chegará à casa dos 13 dígitos em 30 anos.
Esse é o valor da fatura que o governo terá de pagar com
gastos de aposentadorias e pensões de 1,3 milhão de servidores públicos da
União pelos próximos 30 anos. Novo Fundo de Pensão pode aliviar essa conta
Enquanto o Fundo de Pensão dos Servidores Públicos
(Funpresp) não for instalado — o que está previsto para o fim deste ano — e não
começar, gradativamente, a aliviar a contabilidade federal, o governo vai ter
que continuar arcando com uma conta gigantesca, durante décadas, para pagar os
atuais benefícios dos aposentados e pensionistas da União, assim como as novas
aposentadorias dos funcionários que ainda estão na ativa. A fatura chega a R$
1,1 trilhão num horizonte de 30 anos, segundo cálculos feitos pelo Ministério
da Previdência Social.
Essa montanha de dinheiro será gasta com apenas 1,3 milhão
de servidores da União, dos quais 540 mil ainda em atividade. A conta é alta
porque, ao contrário do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), que tem um
limite relativamente baixo para as aposentadorias e pensões — um trabalhador da
iniciativa privada recebe, no máximo, R$ 3,9 mil por mês — o teto dos
funcionários públicos é de R$ 26,7 mil, uma diferença enorme.
O valor médio dos benefícios também é elevado. É isso que
explica por que o INSS, com 25,4 milhões de beneficiários, tem um deficit de R$
36,5 bilhões por ano e o setor público, com bem menos gente para pagar,
apresente todo ano um saldo negativo superior a R$ 81 bilhões.
Aprovado recentemente pelo Congresso Nacional, o Funpresp só
vai ajudar a baixar a despesa no futuro. Quando ele entrar em vigor, o governo
só vai garantir a aposentadoria até o valor do teto do INSS. Quem quiser
receber benefício superior terá que contribuir para o fundo durante o período
em que permanecer trabalhando, com uma alíquota máxima de 8,5%. Essa regra, no
entanto, só vai valer para os novos funcionários.
Gargalos
O regulamento do fundo ainda não está desenhado, mas o
governo já se vê diante de enormes problemas. Um deles é o de ganhar escala, ou
seja, o Funpresp terá que contar com um contingente suficientemente grande de
contribuintes — e de recursos — para obter a rentabilidade necessária para
garantir o pagamento de benefícios futuros. Por isso, o ideal seria que
houvesse um só o fundo para os Três Poderes — Executivo, Legislativo e
Judiciário. Mas não foi isso o que aconteceu. Para que a legislação fosse aprovada,
o governo cedeu nas negociações no Congresso e o texto final da lei acabou
determinando que cada poder criasse a própria entidade de previdência.
O secretário adjunto de Políticas de Previdência
Complementar, José Edson da Cunha Júnior, afirma que isso é um gargalo. O
Judiciário e o Legislativo ainda não definiram se terão mecanismos próprios ou
se irão aderir à instituição que garantirá a aposentadoria dos servidores do
Executivo. O Ministério Público já manifestou interesse de participar do fundo
em fase de elaboração. No entanto, se os demais poderes quiserem fazer parte do
Funpresp, a lei, recém-saída do forno, terá que ser modificada. Portanto, mesmo
em fase de implantação — a entidade tem que sair do papel até novembro e a
Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc) terá mais 240
dias para autorizar o regulamento — a lei pode voltar para ser remendada no
Congresso.
Ciclos de vida
O ganho de escala está longe de ser o único problema do
fundo de pensão dos servidores. Para assegurar o pagamento das aposentadorias e
pensões, a nova entidade terá que ser também inovadora na hora de investir. As
aplicações do Funpresp, segundo os técnicos, deverão ser feitas dentro de um
multiportfólio, obedecendo ao sistema chamado de ciclos de vida. Por ele, os
investimentos são feitos de acordo com o perfil do participante. Os mais jovens
podem correr maiores riscos, uma vez que têm mais tempo para recuperar
eventuais perdas. O mesmo não acontece para quem se encontra numa faixa etária
mais elevada.
Segundo o conselheiro do Banco Mundial Roberto Rocha, o
risco de longevidade é um fator que os gestores do fundo deverão tratar com
atenção redobrada. Isso porque os novos servidores que deverão aderir ao fundo
têm, em média, entre 30 e 32 anos. Para Rocha, o Funpresp deverá trabalhar com
compartilhamento de risco, especialmente nos casos em que os participantes
atingirem mais de 75 anos e as tábuas de longevidade encontrarem dificuldades
para definir quando se extinguirá o benefício devido à morte do segurado.
"O diabo está nos detalhes. Então, o importante será desenvolver um
portfólio que garanta retorno", observou.
Para o economista Marcelo Abi-Ramia Caetano, os gestores do
fundo deverão ter atenção especial nas tentativas de fraude. O perigo, segundo
ele, está nas aposentadorias que serão concedidas com menos de 35 anos de
contribuição. Como o governo não conta com um planejamento que indique as
carreiras e o gênero dos servidores que serão contratados no futuro, o conjunto
de risco poderá crescer além do controle, observou. "Há muita gente
inteligente já pensando em formas de burlar as regras. A adesão será positiva,
mas não podemos esquecer de incluir no estatuto formas de conter iniciativas de
comportamento oportunista", alertou.
Títulos menos rentáveis
O novo fundo de pensão dos servidores públicos já nasce com
um desafio grande pela frente, que também atingirá as entidades já existentes:
como fazer para garantir a meta atuarial de 6% ao ano mais INPC num cenário de
taxa de juros básica declinante. A taxa Selic saiu de 12,5% no ano passado e já
está em 8%. E os economistas apostam em 7,5% até o fim do ano, o que vai
significar rendimentos menos vigorosos dos papéis, geralmente títulos públicos
do governo federal. Para o subchefe de Análise e Acompanhamento de Políticas
Governamentais da Casa Civil, Luiz Alberto dos Santos, a redução das taxas de
juros vai exigir dos fundos capacidade de gestão e planejamento, porque o
comportamento dessas instituições e da economia depende da rentabilidade dos
investimentos e da garantia de que os benefícios serão pagos.