Roberto Macedo
O Estado de S. Paulo - 16/08/2012
Volto ao tema do meu último artigo. As greves de servidores
federais permanecem e surgiram novas informações que me levam a considerações
adicionais e a reiterar outras já apresentadas.
As reivindicações desses servidores são diferentes das
usuais dos trabalhadores do setor privado e suas entidades sindicais. Aí
predominam pleitos por um reajuste salarial geral que alcance cada categoria,
de forma tal que assegure um ganho nominal acima da inflação ocorrida entre
cada reajuste - em geral, anual. Já na União as reivindicações são específicas
por grupos de servidores e há um elenco delas. Atualmente, predominam as de
reestruturação de carreiras, na forma de elevação do salário inicial e do
salário final em cada caso. São também discutidos critérios para evoluir de um
para outro, que elas buscam facilitar.
No governo Lula, o governo federal admitiu dezenas de
milhares de servidores, deu reajustes por conta da inflação e reestruturou
várias carreiras. Com isso, para conhecer bem o resultado é preciso ir ao detalhe
do que se passou com as várias carreiras. Mas não se pode tratar cada uma
isoladamente, pois, afinal, o patrão é o mesmo. Ganhos de uma estimulam as
reivindicações de outras, tendo a isonomia como pretexto.
Por isso mesmo, a gestão de recursos humanos do governo
precisaria ser muitíssimo criteriosa e defensável perante os funcionários, para
não estimular uma avalanche de reivindicações de isonomia, como no momento. E,
além disso, defensável também perante toda a sociedade, particularmente diante
dos contribuintes, que pagam a conta.
Isso não foi feito no passado mais distante e a situação se
agravou no governo Lula, pródigo em contemplar algumas carreiras com benefícios
não estendidos a outras, e nem sempre justificados pela natureza das atividades
exercidas e pelas qualificações exigidas em cada caso.
Um quadro geral dessas distorções não aparece no noticiário,
em face da amplitude das informações necessárias. Mas algumas informações
permitem perceber a gravidade da bagunça salarial que se instalou no governo
federal, estimulando a demanda por isonomia. E, em vários casos, revelando
níveis salariais iniciais claramente acima dos observados fora do governo, para
ocupações de responsabilidades e qualificações equivalentes, o que é agravado
porque no governo há a aposentadoria integral e a estabilidade no emprego. Um
avanço foi a nova Lei de Acesso à Informação, que tornou essa bagunça mais
transparente.
Com relação a novas informações, destaco a página que este
jornal dedicou ao assunto no domingo passado. Um dos seus aspectos mais
interessantes é que mostrou salários iniciais e finais de algumas carreiras e
relatou pleitos de isonomia entre elas. Chamo a atenção para os salários
iniciais, nos quais estão as distorções mais importantes, e também relativamente
aos salários de ingresso pagos fora do governo federal, que mesmo em São Paulo
ficam em torno da metade dos maiores salários iniciais federais para
profissionais de nível superior. Assim, revela-se que nas agências reguladoras
há analistas administrativos que ingressam com R$ 10.019, analistas do Banco
Central com R$ 12.961 e auditores da Receita Federal com R$ 13.600, por mês.
E volto ao caso que conheço mais de perto, o dos professores
universitários. Um com doutorado e em regime de dedicação exclusiva - a porta
típica de ingresso na carreira - tem salário mensal de R$ 7.627. Se passar num
concurso para o último posto, o seu salário será de R$ 12.225. Mas no Instituto
de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), onde o trabalho de seus pesquisadores se
assemelha ao dos professores das universidades, o salário inicial é R$ 12.961 e
o final alcança R$ 18.478. Essa discrepância estimula reivindicações e deve
estar por trás do fato de a greve dos professores ser a mais antiga entre as
atuais.
Ouvido pela reportagem, o deputado Vicente Paulo da Silva, o
Vicentinho (PT-SP), declarou que o governo erra ao manter as distorções
salariais não só entre as carreiras e os cargos de confiança - estes também
abordados pela matéria -, mas também entre um ministério e outro. Ele propôs
que o governo deveria encontrar uma forma de unificar salários de "grupos
equivalentes". E concluiu: "Enquanto não houver essa negociação,
haverá greve, porque um setor se achará prejudicado com relação a outro".
No diagnóstico estamos de acordo, exceto em que as greves
também se explicam por outras razões, mas provavelmente temos opiniões
divergentes quanto a essa negociação. Creio que, para o deputado, seria uma
rodada de grandes concessões na reestruturação de carreiras. Isso o governo diz
não ter condições de fazer, alegando que os gastos não caberiam no Orçamento. E
seriam também descabidas.
Vejo as distorções também do ponto de vista do mercado de
trabalho como um todo e do respeito devido a quem paga a conta. Assim, a
reestruturação de carreiras precisaria avançar, mas noutra direção, com
salários iniciais bem menores para novos ingressantes e balizados pelo que recebem
os trabalhadores fora do governo, em ocupações de responsabilidade e níveis de
qualificação equivalentes. Seria igualmente necessário um entendimento com os
Poderes Legislativo e Judiciário, nos quais há salários iniciais ainda maiores,
estimulando mais demandas de isonomia no Executivo.
Confesso meu pessimismo diante do ponto a que chegou a
gestão de recursos humanos do governo federal, num contexto de
irresponsabilidade concessiva de governantes e do poder de categorias mais
fortes de reivindicar vantagens. O mais provável é que nessa questão a União
continue em dissonância com outra isonomia, a de ponderar também os interesses
dos cidadãos que pagam o prejuízo de todos esses desmandos.