BSPF - 04/10/2013
Por seis votos a quatro, a Corte Especial do Superior
Tribunal de Justiça (STJ) concluiu que a surdez unilateral não se enquadra nas
situações descritas no artigo 4º do Decreto 3.298/99, que apenas indica como
deficiente auditiva a pessoa com perda bilateral superior a 41 decibéis. O
julgamento, iniciado em sessões anteriores, foi concluído na última
quarta-feira (2).
No caso julgado, uma candidata ao cargo de analista
judiciário ingressou com mandado de segurança contra ato do presidente do STJ e
do diretor-geral do Centro de Seleção e de Promoção de Eventos da Universidade
de Brasília (Cespe/UNB), que lhe negou a condição de deficiente no concurso
público realizado em 2012.
Portadora de surdez unilateral de grau profundo (anacusia)
no ouvido esquerdo, ela alegou que sua deficiência foi comprovada por três
laudos médicos particulares e pela própria junta médica do concurso. Sustentou
que seria ilegal a norma prevista no artigo 4º, II, do Decreto 3.298, que
restringe o conceito de deficiência à perda auditiva bilateral.
Sem risco imediato
No mandado de segurança, a candidata citou a existência de
jurisprudência a seu favor e requereu, liminarmente, que lhe fosse reservada
vaga no cargo pleiteado, observada a nova ordem de classificação dos aprovados.
O pedido de liminar foi negado em decisão monocrática do relator, ministro
Castro Meira (recentemente aposentado), que não reconheceu o risco iminente de
dano irreparável para a candidata.
Ao indeferir a liminar, o ministro ressaltou que, “sem
prejuízo de posterior análise minuciosa da legislação que rege a matéria e do
confronto com os precedentes jurisprudenciais arrolados, em juízo de cognição
primária, não vislumbro a pronta necessidade do deferimento da medida
acauteladora, precisamente porque o resultado do concurso já foi homologado e a
impetrante não alcançou pontuação que lhe assegurasse o chamamento imediato”.
O julgamento do mérito foi levado à Corte Especial. Citando
vários precedentes do STJ que aceitam a surdez unilateral como espécie de
deficiência, Castro Meira sustentou que o Decreto 3.298, com a redação dada
pelo Decreto 5.296/04, ampara a interpretação de que a candidata deve ser
alocada na lista classificatória de deficientes.
No entender do relator, os artigos 3º e 4º, II, precisam ser
lidos em interpretação sistemática que se sobreporia ao entendimento da junta
médica e à disposição do edital, que transcreve a nova redação do artigo 4º,
II, do Decreto 3.298. Seu entendimento pela concessão da segurança foi
acompanhado pelos ministros Arnaldo Esteves Lima, Luis Felipe Salomão e Laurita
Vaz.
Divergência
Ao abrir a divergência, o ministro Humberto Martins iniciou
seu voto informando que, ao contrário do afirmado pela candidata, o laudo da
junta médica do concurso descaracterizou sua situação como deficiência.
Ele explicou que divergia do relator com base em precedente
do Supremo Tribunal Federal, por três argumentos: a nova redação do Decreto
3.298, que prevê apenas a surdez bilateral como deficiência auditiva; o estrito
cumprimento do edital, que reproduz o decreto; e a necessidade de dilação
probatória.
Sobre o primeiro argumento, Humberto Martins sustentou que o
Decreto 3.298 foi alterado pelo Decreto 5.296 para restringir o conceito de
deficiente auditivo, tornando impossível menosprezar o fato normativo para
realizar interpretação sistemática que objetive negar a alteração legal.
“No cerne, a nova redação consignou que não poderia ser
considerado deficiente aquele que tivesse perda auditiva entre 15 e 40
decibéis, como ocorria antes”, enfatizou.
Quanto ao segundo argumento, o ministro ressaltou que o
edital incorporou estritamente a nova redação do decreto, restringindo o
conceito de deficiência auditiva. Para ele, a junta médica, após a realização
do exame de audiometria, apenas aplicou o dispositivo do edital, idêntico à
norma jurídica do decreto.
O terceiro argumento consignado por Humberto Martins para
denegar a segurança foi a exigência de dilação probatória, pois o mandado de
segurança atacou entendimento fundado em laudo lastreado em exames médicos. Seu
voto foi seguido por mais cinco ministros: Mauro Campbell Marques, Herman
Benjamin, Sidnei Beneti, João Otávio de Noronha e Raul Araújo.