Ana D'Angelo e Antônio Temóteo
Correio Braziliense
- 25/02/2014
Governo ignora decisão do STF e obriga órgãos do Executivo a
aderirem a superplano da Geap, controlada por PT e PP
O governo federal está administrando um orçamento bilionário
de uma fundação privada, a Geap, que, neste ano, atingirá R$ 2,3 bilhões, sem
ter de prestar contas ao Tribunal de Contas da União e a outros órgãos de
controle e fiscalização da União. Apesar de haver posicionamento do Supremo
Tribunal Federal (STF) e do próprio TCU, determinando o encolhimento da
entidade que administra os planos de saúde de servidores federais, o Palácio do
Planalto passou por cima das decisões e fez o contrário: ampliou o raio de ação
da operadora, com a centralização no Ministério do Planejamento, por meio de um
novo convênio, e o chamamento de novos órgãos para se filiarem ao sistema.
Enquanto o plenário do STF não publica o acórdão do
julgamento de 2013, que mandou barrar o superplano de saúde do funcionalismo,
nem julga o mérito de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) contra o
novo convênio, a Geap segue o ano mais gorda e sob as rédeas do PT e das
indicações políticas, incluindo o aliado PP, de Paulo Maluf.
Depois de enfrentar um longo período de dificuldades, no
qual perdeu clientes e sofreu até intervenção fiscal da Agência Nacional de
Saúde Suplementar (ANS) por rombo nas contas, a Geap iniciou 2014 com receita
maior, em torno de R$ 190 milhões por mês, o que projeta R$ 2,3 bilhões no ano,
sem considerar novas adesões. Em 2013, recebeu R$ 1,95 bilhão de repasses dos
órgãos públicos, que incluem a parcela descontada dos contracheques dos
servidores.
Quando o ministro do STF Ricardo Lewandowski mandou
suspender o novo convênio e novas adesões, em janeiro último, por meio de
liminar à Adin proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Geap já
somava 204 órgãos parceiros, quase o dobro do que tinha antes do acordo com o
Planejamento — eram 114. Agregou mais 22 mil servidores no período e conta hoje
com uma rede de 597.719 beneficiários. Pelas decisões do TCU e do STF, deveria
ter apenas quatro órgãos vinculados, os que a instituíram — os ministérios da
Previdência e da Saúde, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e a
Dataprev.
José Dirceu
Tanto o TCU quanto o STF já decidiram que a fundação não
pode administrar plano de saúde de servidores públicos por meio de convênios,
sem licitação, pois é privada. O governo e a Geap alegam que oferecem planos
mais baratos que o mercado, mas não aceitam se submeter à concorrência privada
nem à fiscalização dos recursos públicos repassados à operadora.
"É Inaceitável que o governo atropele decisão do TCU e
do STF. É uma forma irresponsável e criminosa como o PT está tratando o
dinheiro público", afirmou o líder da Minoria na Câmara, deputado Domingos
Sávio (PSDB-MG). Coordenador da bancada na Comissão Mista de Orçamento, o
parlamentar disse que vai apresentar requerimento para que o Ministério do
Planejamento explique a manobra do governo.
O crescimento da fundação privada, sem se submeter a
licitações públicas, foi orquestrado pelo então ministro da Casa Civil José
Dirceu, no início de 2004. Ele instituiu um grupo de trabalho em 16 de janeiro
daquele ano, para propor a separação das operações da Geap (que administrava
também pecúlio de aposentados) e criar uma fundação para gerir exclusivamente
os planos de saúde dos servidores federais do Executivo. Em 4 de fevereiro, o
então presidente Luiz Inácio Lula da Silva editou um decreto prevendo o
monopólio da Geap na administração dos convênios médicos da categoria. Após ser
bombardeado, modificou o decreto e incluiu a possibilidade de contratos com
outras operadoras.
Com isso, a Geap se limitou a angariar os chamados servidores
"barnabés", que ganham menos, que estão na área meio e de atendimento
ao público, como os agentes administrativos. A elite do Executivo, como
auditores, agentes e delegados da Polícia Federal e advogados públicos,
preferem ter planos com outras operadoras.
A Geap tem uma gestão compartilhada entre servidores e
governo. Cada um indica três dos seis conselheiros deliberativos. O problema é
que o Executivo tem o voto de minerva. Ou seja, as decisões ficam a seu
critério, inclusive das escolhas de diretores e chefes nos estados. Sem contar
o fato de representantes dos funcionários eleitos se alinharem ao Palácio do
Planalto.
O processo de indicações políticas para ocupar as diretorias
técnicas na Geap sempre existiu. Entre 2008 e 2012, esse feudo ficou nas mãos
do secretário executivo do Ministério da Previdência, Carlos Eduardo Gabas, que
é muito próximo da presidente Dilma Rousseff. Gabas ainda exercia influência
sobre os presidentes do Conselho Deliberativo da Geap, que eram servidores do
INSS ou da Dataprev e indicados por ele.
Prefeitura paulista
A partir das negociações de alianças partidárias iniciadas
em 2012 e que levaram Fernando Haddad (PT-SP) à Prefeitura de São Paulo, o PP
passou a comandar a Geap Saúde sob influência do deputado federal Paulo Maluf,
que pleiteava uma secretaria municipal na composição do governo petista. Maluf
emplacou como diretor executivo Paulo Paiva, que já havia sido demitido do
cargo de gerente regional da fundação na Paraíba por irregularidades na compra
de materiais. Paiva perdeu o posto, a contragosto do Planalto, que não queria
contrariar o aliado PP, após o caso ser revelado pelo Correio.
No ano passado, durante intervenção fiscal e administrativa
decretada pela ANS, que se limita a verificar a saúde financeira da operadora,
e pela Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc), o PT
nomeou como assessor institucional Luís Carlos Saraiva Neves que, depois, foi
efetivado como presidente. Apesar de petista, Neves é muito ligado a Paiva, que
continua com influência sobre a Geap. O Correio também revelou irregularidades
que ocorreram durante a gestão de Neves como gerente regional da operadora em
Pernambuco entre 2008 e 2009.
A Geap afirmou que as indicações de diretores e chefes
seguem critérios de qualificação profissional e competência administrativa e
que desconhece a prática de indicações políticas. O Ministério do Planejamento
ressaltou que o assunto é de responsabilidade da operadora.