Vera Batista
Correio Braziliense -
28/04/2015
Vinte e cinco anos se passaram e a União ainda se vê às
voltas com a herança maldita do governo Collor. De acordo com o projeto da Lei
de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2016, que lista dos riscos aos cofres
públicos, os débitos acumulados com a extinção de órgão públicos, no início da
década de 1990, somam R$ 7,3 bilhões.
Na época, foram fechadas as
Empresas Nucleares Brasileiras (Nuclebrás), o Instituto do Açúcar e do
Álcool (IAA), a Superintendência Nacional da Marinha Mercante (Sunamam) e a
Rede Ferroviária Federal (RFFSA). Os servidores afastados entraram com ações de
reintegração.
Na opinião do professor José Matias-Pereira, especialista em
finanças públicas da UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA (UNB), diante do imbróglio que
permanece, o brasileiro ainda vai ouvir falar desses "esqueletos" por
muito tempo.
"O governo
Collor não era apenas trapalhão, era temerário. Collor foi o homem do desmonte.
Me lembrava o regime nazista. Tomou decisões sem base jurídica e técnica",
afirmou Pereira, lembrando que boa parte das pessoas que se beneficiariam com a
reversão dessas medidas já morreram.
Os motivos para a demora na decisão são diversos. A Justiça,
tradicionalmente morosa, fica mais estática quando trata de decisões complexas,
de cunho econômico, disse. E o governo, para evitar sangramento nos cofres, tem
interesse em empurrar com a barriga indenizações dessa natureza. "Os fatos
mostram que o poder público precisa ser refundado. Não faz sentido o governo
ficar protelando uma causa que vai perder, apenas porque faz parte de sua
função recorrer até a última instância", condenou Pereira.
De acordo com o especialista em contas públicas Gildásio
Pedrosa de Lima, do escritório Veloso de Melo Advogados, embora ultrapassada, a
ideia original de obrigar o Estado a recorrer até a última instância era
proteger o erário e preservar o patrimônio público. "Há ainda pouca
flexibilidade para fazer acordos com os governos. Mas muita coisa está mudando.
Hoje, a Advocacia Pública dispensa processos de pequenos valores e segue a
orientação do STF, quando há entendimento consolidado", disse.
Vergonha
As modernizações, no entanto, têm impacto apenas para os
mal-feitos após a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Os conchavos do
passado, admitiu, vão ainda tramitar por prazo indefinido.
Independentemente dos efeitos sociais que o passivo causar
aos prejudicados pelas medidas, o carregamento da dívida é muito barato para o
Estado, explicou o advogado Jean Ruzzarin, do escritório Cassel, Ruzzarin,
Santos, Rodrigues Advogados, especializado na defesa do servidor público.
Enquanto as instituições financeiras cobram taxa, no crédito
consignado (a mais baixa do mercado), de 18,44% a 106,53% ao ano, segundo dados
do Banco Central, a União remunera seus débitos pelo Índice de Preços ao
Consumidor Ampliado (IPCA, em 8,23% ao ano, em 2015) e juros de mora de 6% anuais.
"Uma vergonha. É um excelente negócio para o governo
ficar segurando os pagamentos", destacou Ruzzarin. Apesar de ser advogado,
ele disse que não entende o porquê de tanta demora para a ação chegar ao fim,
já que o Código de Processo Civil (CPC) fixa prazos para as partes envolvidas.
"No entanto, o não cumprimento de prazo, não acarreta nenhum
constrangimento ao magistrado, é o que se chama de prazo não peremptório",
assinalou.