BSPF - 15/10/2015
As cotas para pessoas com deficiência ingressarem no serviço
público estão sendo utilizadas, numa espécie de "jeitinho", por quem
tem problemas considerados leves demais. Com isso, saem prejudicados aqueles
que realmente enfrentam dificuldades para ingressar no mercado de trabalho em
razão de sua deficiência. Essa foi a tônica do debate realizado nesta
quarta-feira (14) pela Comissão de Assuntos Sociais (CAS) sobre a questão das
cotas para deficientes.
A Lei Brasileira de Inclusão (Lei 13.146/2015), prevista
para entrar em vigor em janeiro de 2016, deve alterar um pouco essa realidade,
disseram os palestrantes. Mas, na opinião deles, é fundamental que a
regulamentação da nova legislação leve em conta os critérios de funcionalidade
da pessoa com deficiência e até que ponto essa deficiência prejudica sua integração
social. Para os especialistas ouvidos pela CAS, não basta constatar a
existência do problema, baseado em diagnóstico médico-biológico, como tem
ocorrido.
Eles defendem ainda que a legislação nacional seja
atualizada à luz da Lei Brasileira de Inclusão (LBI) e da Convenção
Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da Organização das
Nações Unidas (ONU), ratificada pelo Brasil em 2009.
O autor do pedido de audiência, senador Waldemir Moka
(PMDB-MS), propôs a criação de um grupo de trabalho com participantes da
audiência e a Consultoria do Senado para propor essa atualização legislativa,
que ele considerou essencial. Mas o senador e os debatedores chegaram ao
entendimento comum de que é melhor esperar a Lei Brasileira de Inclusão entrar
em vigor para analisar com maior eficiência quais são os ajustes legais
necessários.
Funcionalidade
De acordo com Adérito Guedes, chefe do Setor de Perícia Médica
do Ministério Público Federal, pessoas que tem dois dedos dos pés amputados
estão concorrendo em igualdade, nas vagas reservadas para os cotistas, com quem
não tem as duas pernas e anda com cadeira de rodas. Graças à judicialização e
aos mandados de segurança, amparados pela falta de normas que permitissem
graduar as deficiências, explicou ainda, pessoas com cegueira unilateral são
consideradas iguais em direitos às que não enxergam nada, por exemplo.
— A funcionalidade é mais importante para definir uma
deficiência do que simplesmente um diagnóstico médico — alertou.
O procurador da República no Distrito Federal Felipe Fritz
Braga afirmou que o Judiciário tem grande dificuldade para aferir a capacidade
de trabalho de uma pessoa com alguma limitação funcional, mas que consegue
levar uma vida relativamente normal. É o caso, por exemplo, de quem perde a
audição em um ouvido ou tem apenas um olho cego. Nessas situações, observou o
procurador, é questionável o direito de concorrer a um cargo público em condições
especiais.
— O Judiciário tem dificuldade para ver isso, em grande
parte porque nossas normas não foram bem redigidas nesse aspecto — afirmou.
Rosylane Nascimento das Mercês Rocha, conselheira do
Conselho Federal de Medicina, lembrou que os candidatos que concorrem pelas
cotas de deficiência e são barrados graças aos laudos e avaliações, sempre
recorrem ao Judiciário e ganham, por menor que seja o problema. Ela alertou
para a necessidade de um levantamento detalhado de quantas e quais pessoas com deficiência
estão sendo beneficiadas com a lei e ingressando nos quadros do serviço
público. Pela sua experiência, afirmou, não estão sendo priorizadas pessoas com
grandes deficiências, mas sim quem perdeu dois dedos, tem limitações de
extensão de algum membro ou encurtamento da perna.
— E isso não prejudica alcançar o objetivo que o legislador
buscou para a pessoa com deficiência — afirmou.
Novo modelo
Todos os palestrantes — incluindo a representante do
Ministério das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos, Liliane Bernardes
— se manifestaram no sentido de que a análise da deficiência deve considerar os
pressupostos da Classificação Internacional de Doenças (CID) e da Classificação
Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF).
Liliane Bernardes adiantou que a regulamentação da LBI
levará esses fatores em consideração, já que a definição de deficiência da nova
lei é mais ampla e exige a compreensão de um novo paradigma sobre a
deficiência, baseado no modelo social/biopsicossocial e não mais exclusivamente
no enfoque médico.
Um “índice de funcionalidade” deve ser criado, para avaliar
tanto a entrada nas cotas do serviço público quanto o acesso das pessoas com
deficiência a benefícios como o da prestação continuada ou do passe livre, por
exemplo, revelou Liliane. Esses novos parâmetros ainda estão sendo
estruturados, informou ela, que conclamou os palestrantes e os senadores
presentes à audiência pública a ajudarem nessa elaboração.
Também participaram da audiência Thays Rettore, membro do
Conselho Fiscal da Associação Brasileira de Medicina Legal e Perícias Médicas,
e Everton Pereira, pesquisador da Universidade de Brasília (UnB).
Fonte: Agência Senado