Portal Vermelho
- 13/01/2016
Deparei-me com interessante estudo de Félix Garcia Lopez,
técnico de Planejamento e Pesquisa do IPEA. Sob o título Evolução e Perfil dos
nomeados para cargos DAS na administração pública federal (1999-2014), o Autor
desfaz certa mitologia e apresenta propostas de mudanças para qualificar a
burocracia de livre nomeação. Nada a ver com o senso comum fabricado contra a
burocracia estatal brasileira e com a toada contra o presidencialismo de
coalizão.
Dimensionando a burocracia de livre nomeação – cargos de
direção e assessoramento superior (DAS) da administração pública federal – nos
últimos 15 anos, o estudo examina o perfil e profissionalização dos nomeados,
também segundo as diversas áreas ministeriais e indica algumas conclusões que
não são as do senso comum promovido pela luta política midiática acerca do
chamado presidencialismo de coalizão.
O autor sustenta: 1) o aumento do número de cargos nesses
quinze anos estudados é inferior ao crescimento de outras funções de confiança
e cargos comissionados do conjunto da administração federal (totalizando cerca
de 23 mil num universo de 100 mil); 2) observa-se nessas nomeações ampliação da
profissionalização da gestão do serviço público federal; 3) o debate público
está enviesado sobre a questão da politização da gestão e “aparelhamento”
estatal sem amparo empírico suficiente, ofuscando outros aspectos centrais do
debate sobre a qualificação da alta gestão pública.
Os DAS têm seis níveis e totalizam 23230 cargos. A regra de
provimento restringe ao Presidente da República autorizar nas nomeações dos
níveis DAS 5 e DAS 6, os mais relevantes política e administrativamente. Ambos
representam menos de 20% do total, 1349 cargos. A influência da presidência e
lideranças político-partidárias se concentram neles, para cargos superiores em
Brasília – no restante dos cargos há cotas mínimas exigidas para servidores
públicos (75% para DAS 1, 2 e 3 e 50% para DAS 4), e 30% do total se situam nos
Estados.
Ademais, 58% dos DAS 4, 5 e 6 são ocupados por servidores
públicos de carreiras federais, já integrantes portanto da burocracia estatal.
O crescimento do volume de cargos foi relevante (40%), e mais ainda para os DAS
4, 5 e 6, mas acompanha a tendência da burocracia civil permanente e até menor
que o crescimento de cargos de confiança da administração federal (com novas
agências criadas e em especial nas instituições federais de ensino superior).
Em 2014, metade do total de cargos DAS estavam ocupados por
servidores de carreira dos próprios órgãos. Do total, apenas 30% dos cargos são
ocupados por servidores sem vínculos públicos. Ao desagregar os dados por
nível, naturalmente, DAS 5 e 6 têm menos nomeados do próprio órgão (18% e 10%
respectivamente), mas se forem incluídos nomeados de outras carreiras do
serviço púbico federal, ou membros de carreiras com exercício descentralizado
de função, os servidores com vínculos são maioria mesmo nos DAS 5 e 6. A
tendência é certamente de ampliação de nomeados de fora das carreiras dos
respectivos órgãos à medida em que aumenta o poder político e administrativo do
cargo, mas isso se reduziu ao longo dos anos (no caso DAS 6 eram 53% em 1999,
percentual que caiu para 43% em 2014).
Ou seja, nas palavras do Autor do estudo: “o movimento geral
me parece ser de aumento da profissionalização, ou seja, mais carreiristas
ocupando essas posições de nomeações discricionárias”.
No que diz respeito ao perfil dos nomeados, há significativa
variação entre órgãos e áreas de políticas públicas quando se analisa a
natureza do vínculo do nomeado. Relações Exteriores, Fazenda, Meio Ambiente e
C&T têm mais servidores das carreiras. A Fazenda é o ministério com mais
cargos DAS e, a exemplo dos Ministérios da Justiça e Saúde, o que sugere alguma
relação entre esse número e o grau de ramificação dos órgãos pelo território
como são as coordenações da FUNAI e departamentos da polícia federal
(vinculadas ao MJ), os institutos de saúde e hospitais federais (vinculados ao
MS). O MEC, que teria estrutura similar, se diferencia pela ocupação das
posições por funções de confiança – das universidades, por exemplo –, não
cargos DAS. A Presidência da República, por seu turno, é um órgão peculiar
porque incorpora outros órgãos com status ministerial e por não ter uma
carreira própria.
Outro aspecto bem interessante é o debate sobre a
politização da gestão pública considerando os vínculos partidários dos nomeados
aos cargos DAS. A maior parte não é filiada e, certamente, há maior
probabilidade de que os que têm filiação sejam de partidos mais orgânicos. Nos
DAS 6 são 33,2% os filiados, no DAS 5 16,8% e DAS 4 17,7% – no total dos 23 mil
cargos, são 13,1%, pouco expressivo. Mas filiação partidária é um aspecto
virtuoso da democracia, uma virtude cívica dos cidadãos. Na alta administração,
é o que dá cara à orientação programática às administrações. Portanto, isso não
se presta ao argumento de “aparelhamento” ou “politização da gestão”.
Não é um vale-tudo, não é o que parece
Para o Autor, em termos mais gerais, o estudo indica que “se
deve rejeitar a expectativa ou afirmação de ter havido crescimento das
nomeações de patronagem, do “fisiologismo” ou do uso dos cargos como “moeda de
troca” no nível federal, embora saibamos que esses motivos continuam a ser
relevantes (centrais?) para compreender os arranjos políticos aos quais o
processo de formação da burocracia política dá resposta.
Sobrevalorizar este aspecto da discussão pública sobre o
processo de definição dos quadros acaba por negligenciar dimensões que
mereceriam igual ou maior relevo no debate sobre reformas visando qualificar os
quadros e desempenho da alta burocracia. E um dos principais problemas a
enfrentar são os efeitos negativos da alta rotatividade desses quadros sobre a
capacidade de planejamento e implementação das políticas setoriais, que poderia
ser atenuada por alterações que convertam cargos cujas atribuições são
exclusivamente administrativas em funções destinadas aos membros experimentados
nessas funções, no interior de cada órgão federal (ou por carreiras
transversais).
“Converter cargos em funções para nomeados do interior dos
órgãos – que teria como subproduto reduzir o alegado ´excesso de cargos´, agora
convertidos em funções – com sistemas internos que definam parâmetros razoáveis
de seleção interna, premiando o desempenho, criaria incentivo adicional para os
servidores federais ampliarem sua qualificação e formação. As regras que
atualmente embasam as escolhas são percebidas como aleatórias – e nem sempre
razoáveis –, se olhadas do ponto de vista da racionalidade do processo de
seleção dos nomeados. Reduzir esta incerteza e premiar o desempenho e a
excelência é também um estímulo à qualificação no interior dos quadros de
carreira do serviço público. Associada a esta mudança, e com potencial efeito
relevante sobre incentivos à qualificação do desempenho, seria implantar
sistemas efetivos de verificação do desempenho dos servidores em suas funções
ou cargos.
“Enfatizar tais aspectos não diminui a pertinência e espaço
para adequações importantes no volume de cargos DAS disponíveis, a importância
da crítica para ajustes visando a ampliar a eficiência da gestão. Tampouco
significa desconsiderar que parte talvez relevante destes cargos servem à
necessidade de responder às injunções da política partidária, sem aderência às
demandas de gestão.
“Os arranjos do multipartidarismo e incentivos de nosso
sistema eleitoral impõem forte pressão ao chefe do Executivo por criar
estruturas paralelas de modo a contemplar grupos político-partidários
desalojados das estruturas de poder. O problema está no descolamento observado
entre a pluralidade de urgências a enfrentar em uma verdadeira agenda de
modernização da gestão pública e o tom monódico de avaliações que são motivadas
mais pela paixão política que pela responsabilidade analítica”.
Walter Sorrentino é médico e vice-presidente nacional do PcdoB
Fonte: Blog Sorrentino - Projetos para o Brasil