Agência Brasil
- 20/03/2016
A dona de casa Joana Gonçalves, de 80 anos, esteve esta
semana em uma agência do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) para cuidar
do auxílio-doença do esposo de Avelino de Oliveira, de 65 anos, que trabalha no
Serviço de Limpeza Urbana do Distrito Federal. Joana disse que o processo foi
bastante demorado.
“Entramos com o pedido em 26 de outubro de 2015. A primeira
perícia foi feita em 21 de janeiro, e o primeiro salário veio apenas agora, dia
15 de março. A greve atrapalhou muito nosso processo”, disse.
Esse é apenas um dos casos de pessoas prejudicadas pela
greve dos peritos, entre setembro de 2015 e fevereiro de 2016, e dos servidores
administrativos do INSS, de julho a setembro de 2015. As entidades sindicais
que representam as categorias, entretanto, criticaram o método de reposição da
greve e o sistema de trabalho do instituto para atender à demanda acumulada de
perícias e de concessões de benefícios.
Segundo o presidente da Associação Nacional dos Médicos
Peritos (ANMP), Francisco Cardoso, a reposição das perícias médicas não está
sendo feita de maneira ideal. Dentre vários motivos, ele cita que o INSS não
tem mais espaço físico para o atendimento nem servidores administrativos
suficientes.
Além disso, Cardoso conta que o INSS quer que o perito
reponha individualmente tudo o que deixou de atender durante a greve, que durou
165. “O INSS quer usar a reposição para punir o grevista, não para resolver o
problema das filas”, disse.
A ANMP defende uma reposição coletiva, com a colocação de
mais peritos no atendimento direto à população. “Defendíamos a diluição dessa
reposição para todos. Obviamente, quem fez greve tendo de repor mais, mas quem
não fez greve também tinha de dar uma cota de contribuição para sociedade.
Porque quem não fez greve não foi descontado o salário, mas está ganhando
aumento, benefícios e vantagens do acordo”, ressaltou.
Segundo Cardoso, quase 1 milhão de perícias deixaram de ser
feitas durante a greve. “Se colocasse 80% dos peritos em atendimento na agência
resolveríamos toda a reposição em dois meses”, disse. Com o método do INSS de
sobrecarregar a agenda dos peritos, ele diz que a reposição levará um ano.
A filha da empregada doméstica Claudênia Barros (38 anos)
nasceu no último dia 12, mas a mãe vai precisar esperar até 31 de maio para dar
entrada no pedido do salário-maternidade. Mesmo sem a necessidade de perícia
médica, como ocorre no auxílio-doença, a concessão de alguns benefícios também
passa por problemas.
“Entrei em contato com o INSS quando estava entrando nos
nove meses de gestação, e a previsão que deram é que eu conseguira receber
apenas em outubro no Distrito Federal”, disse Claudênia. Ela diz que só
conseguiu adiantar o atendimento para maio porque marcou na agência da Cidade
Ocidental (GO), município da região do Entorno do DF.
“Eu recebi o salário desse mês e vou ter que me manter com
ele até lá, guardar e comprar o que precisar aos poucos. Um salário para três
meses, porque nem sei se vou receber logo em junho”, disse.
O diretor da Federação Nacional dos Sindicatos dos
Trabalhadores em Saúde, Trabalho, Previdência e Assistência Social, Moacir
Lopes, explicou que os servidores fizeram mutirões e conseguiram atender à
demanda de atendimento que superlotou as agências da Previdência após o fim da
greve, em outubro de 2015.
Segundo ele, entretanto, o INSS mudou o sistema
informatizado, o que tem trazido vários problemas no processamento dos
atendimentos. Além disso, Lopes explica que o auxílio-doença corresponde hoje a
praticamente a metade da demanda acumulada no instituto. “O INSS não programou
o sistema de trabalho para pode atender a demanda [após a greve dos peritos] e
isso acabou agravando a situação. Houve o efeito cascata. Qualquer pedido de
benefício que você entra em um universo de acumulo desse, vai pra fila de
espera”, disse.
A orientação das entidades é que a população procure a
Justiça para ter o benefício concedido no prazo. Procurado pela Agência Brasil,
o INSS não se manifestou sobre as questões.
Mudança nas regras
Decreto da presidenta Dilma Rousseff publicado na última
terça-feira (15) no Diário Oficial da União alterou algumas regras da
Previdência Social e abriu a possibilidade de o INSS fazer convênio com o SUS
para a realização de perícia médica. A medida permite ainda a prorrogação de
benefício por incapacidade, como auxílio-doença com base no atestado do médico
assistente (médico público ou particular que trata do segurado).
O trabalhador também poderá retornar ao trabalho no dia
seguinte à data indicada pelo médico assistente para a sua recuperação,
independentemente da realização de perícia médica. Quando ela puder ser
realizada, o INSS avaliará os requisitos para a concessão do benefício, e o segurado
poderá receber os valores retroativamente.
Para a ANMP, além de sobrecarregar o SUS, a medida abre
caminho para a quebra do sigilo médico, já que obrigará o segurado a entregar o
atestado para um servidor não-médico, e prejudica as vítimas de acidentes de
trabalho, visto que o modelo não reconhece o nexo trabalhista.
“Com relação ao INSS, a ANMP alega que permitir a entrega de
benefícios por atestados do SUS mostra que o órgão não tem preocupação em ser
fraudado”, destacou a entidade em nota.