Correio Braziliense
- 22/08/2016
A imprensa divulga, frequentemente, notícias sobre acusações
a servidores públicos. Muitas vezes, até com base em denúncias anônimas. A
questão que ainda causa dúvidas é: denúncia anônima pode ensejar abertura de
processo administrativo?
O processo administrativo é destinado a apurar a
responsabilidade de servidor por infração praticada no exercício de suas
funções ou relacionada com as atribuições do seu cargo. Dessa forma, para que
seja possível a abertura do procedimento, é necessário que a administração
possua conhecimento de irregularidade envolvendo o servidor.
Existem diversas formas pelas quais a administração pode
tomar ciência dessas situações, podendo ser por meio de denúncia, representação
funcional, notícias veiculadas na mídia e representações oficiais por outros
órgãos públicos, entre outros.
A denúncia, um dos principais meios de comunicação, deve
observar alguns requisitos para que seja aceita. Conforme disciplinado no
artigo 144, da Lei 8.112/90, é necessário que a denúncia sobre irregularidades
contenha a identificação e o endereço do denunciante, devendo ser formulada por
escrito e ter sua autenticidade confirmada. Caso os fatos relatados na denúncia
não configurem evidente irregularidade, o parágrafo único do referido artigo
prevê a possibilidade do seu arquivamento sumário.
Entretanto, diante dos requisitos estabelecidos pela
legislação para que a denúncia seja aceita pela administração, confrontados com
o poder-dever da administração de apurar irregularidades, há controvérsia em
torno da possibilidade de a denúncia anônima ser apta a ensejar a abertura de
processo administrativo.
O artigo 144, da Lei 8.112/90, está em consonância com o
inciso IV do artigo 5° da Constituição Federal, o qual veda o anonimato.
Segundo o ministro Celso de Mello, esta vedação tem a finalidade de
"permitir que o autor do escrito ou da publicação possa expor-se às
consequências jurídicas derivadas de seu comportamento abusivo" (Inquérito
1975/PR).
Por outro lado, constitui poder-dever da autoridade
administrativa o de apurar eventuais irregularidades que cheguem ao seu
conhecimento e que noticiem suposta irregularidade envolvendo agente público,
conforme dispõe o artigo 143, da Lei 8.112/90.
O Supremo Tribunal Federal tem adotado o entendimento de que
é possível a abertura de processo administrativo decorrente de denúncia
anônima, entretanto com a realização de apuração prévia. É importante destacar
parte do voto da ministra relatora Cármen Lúcia, no RMS 29.198/DF, julgado em
30 de outubro de 2012.
"Não pode a Administração, como é óbvio, instaurar o
processo administrativo disciplinar contra servidor com base única e exclusiva
nas imputações feitas em denúncias anônimas, sendo exigível, no entanto,
conforme enfatizado, a realização de um procedimento preliminar que apure os
fatos narrados e a eventual procedência da denúncia."
Nesse sentido, também no Superior Tribunal de Justiça há
entendimento favorável para abertura de processo administrativo baseado em
denúncia anônima, desde que com apuração prévia dessa, conforme os precedentes:
MS 10419/DF; MS 7415/DF e REsp 867666/DF.
Somando-se a isso, no caso de dúvida sobre a veracidade das
informações sobre as quais teve ciência, deverá a administração optar pela
apuração. Esse é o entendimento de Couto (2014, p. 130), o qual leciona que
"se a autoridade tiver dúvida entre arquivar e promover a apuração, deve
optar por promover a apuração, pois, nessa fase, a dúvida resolve-se em favor
da sociedade e não em favor do acusado".
Ainda, conforme assinala o Manual da CGU (BRASIL - CGU,
2016, p. 42) "não é condição indispensável para iniciar a averiguação a
devida qualificação do denunciante, porquanto o que realmente importa é o
conteúdo da denúncia (relevância e plausibilidade), que deve conter elementos
capazes de justificar o início das investigações por parte da Administração
Pública."
Assim, segundo as correntes doutrinárias e jurisprudenciais
atuais, os requisitos insculpidos no artigo 144 da 8.112/90 não precisam ser
taxativamente observados, por força do artigo 143, que prevê a imediata
apuração dos fatos quando presentes indícios relevantes.
É que, ao aparente conflito existente entre a vedação ao
anonimato e o poder-dever do Estado de apurar irregularidades, tem sido conferida
pelas cortes superiores interpretação no sentido de que é possível à autoridade
administrativa apurar a denúncia anônima, através de um procedimento
investigatório preliminar (inclusive na forma de sindicância), e,
posteriormente, instaurar o processo administrativo disciplinar.
Contudo, como bem ponderado pela ministra Cármen Lúcia,
relatora do RMS 29.198, deve a autoridade administrativa agir com cautela no
exame da admissibilidade da denúncia, evitando que seja objeto de apuração
aquelas com intuito meramente difamatório, injurioso e vexatório,
desacompanhadas de elementos mínimos que evidenciem conduta inapropriada ou
ilegal, e buscar outros elementos que corroborem a denúncia, confirmando a
autoria e a materialidade das infrações, para, só então, instaurar o processo
administrativo disciplinar.
Artigo: Aracéli Rodrigues - Especialista em direito do Servidor e sócia do Cassel Ruzzarin Santos Rodrigues Advogados
Artigo: Aracéli Rodrigues - Especialista em direito do Servidor e sócia do Cassel Ruzzarin Santos Rodrigues Advogados