Consultor Jurídico
- 25/09/2016
O Órgão público não tem nada a ver com o que seus servidores
públicos ou altas autoridades da República fazem ou deixam de fazer fora do
horário de trabalho, desde que seus comportamentos de índole estritamente
privados não afetem ou tenham repercussão negativa onde estejam lotados.
Isso porque na dicção do artigo 5º da Constituição Federal
de 1988 são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das
pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral
decorrente de sua violação.
Por outro lado, comportamentos da vida privada não podem
extrapolar o âmbito da sua vida pessoal, imiscuindo-se com as atribuições do
seu cargo no qual se encontra investido.
O Órgão público não está obrigado, v.g., a receber todos os
dias ligações da esposa do servidor público e também visitas dela pessoalmente
à repartição pública, para denunciá-lo de agressões físicas, cárcere privado,
espancamento aos filhos, de tráfico de drogas e pedofilia.
Também a Administração Pública não está obrigada a suportar,
por exemplo, a divulgação de fotos íntimas do servidor público fazendo sexo com
mulher no motel, sendo amplamente veiculadas na repartição pública, local de
trabalho do servidor, e sendo motivo de “chacota” entre os demais servidores
públicos.
Todas essas condutas hipoteticamente aqui relatadas, ainda
que de índole estritamente privadas, acabam respingando de forma negativa no
ambiente de trabalho onde o servidor público encontra-se lotado. Portanto,
devem ser apuradas por meio de Sindicância ou PAD e, se o caso, punido o
servidor faltoso, nos termos do que dispõe o artigo 148, última parte, da Lei
8.112/90.
Ensina o Manual do MTFC, 2016 (antiga CGU), p. 26 que:
"[…]Também é passível de apuração o ilícito ocorrido em
função do cargo ocupado pelo servidor e que possua apenas relação indireta com
o respectivo exercício. Ambas as hipóteses de apuração estão previstas no
artigo 148 da Lei 8.112/90, conforme transcrição abaixo:
Art. 148. O processo disciplinar é o instrumento destinado a
apurar responsabilidade de servidor por infração praticada no exercício de suas
atribuições, ou que tenha relação com as atribuições do cargo em que se
encontre investido.
[…]. Conforme já mencionado, o Estatuto evidencia que o
servidor poderá ser processado por atos ou comportamentos praticados longe da
repartição ou fora da jornada de trabalho, inclusive na sua vida privada, desde
que guardem relação direta ou indireta com o cargo ocupado, com as suas
atribuições ou com a instituição à qual está vinculado.
[…]. O fundamento legal para eventual repercussão
administrativa-disciplinar de atos da vida privada do servidor é extraído do
artigo 148 da Lei 8.112/90, que prevê a apuração de responsabilidade por
infração “que tenha relação com as atribuições do cargo em que se encontre
investido.
A redação do dispositivo legal não deixa dúvida acerca da
abrangência de condutas cometidas fora do estrito exercício das atribuições do
cargo, ou seja, os reflexos de eventual desvio de conduta do servidor
ultrapassam os limites do espaço físico da repartição e as horas que compõem
sua jornada de trabalho. Incluem-se aí períodos de férias, licenças ou
afastamentos autorizados. Exige-se, porém, que as irregularidades tenham alguma
relação, no mínimo indireta, com o cargo do servidor ou com suas respectivas
atribuições, ou que, de alguma maneira, afetem o órgão no qual o infrator está
lotado".
Portanto, o servidor público precisa ter muito cuidado para
que seus os atos da sua vida privada não afetem ou repercutam de forma negativa
no ambiente de trabalho. Já vi colegas servidores públicos responderem a PAD e
alguns serem punidos disciplinarmente por terem praticado atos no âmbito
privado, que acabaram respingando de forma negativa no seu local de trabalho.
Também li no Diário Oficial da União, do dia 04/07/2016,
Seção 2, que uma alta autoridade da República foi punida com a pena de
demissão, por envolvimento em fatos da vida privada que repercutiram de forma
negativa em sua vida profissional[1].
Destarte, a redação do artigo 148 da Lei 8.112/90 abarca as
condutas cometidas pelo servidor público fora do estrito exercício das
atribuições do seu cargo, se, de alguma forma, tiverem relação, no mínimo
indireta, com o cargo do servidor público ou com suas respectivas atribuições,
ou, ainda, que tenham repercussão de forma negativa no órgão público no qual
encontra-se lotado.
[1] Deixa-se de citar o nome da autoridade demitida, por
questão de elegância e respeito à sua pessoa.
Manoel Messias de Sousa é analista do MPU/Apoio
Jurídico/Direito, lotado na Procuradoria-Geral da República, em Brasília, com
atuação em processo administrativo disciplinar e sindicância. Bacharel em
Direito pela PUC-GO, é pós-graduado em Direito Penal e Processual Penal e em
Direito Constitucional.