Estado de Minas
- 22/09/2016
STF dá ganho a ex-oficial de Justiça de Minas contratado
pelo estado sem concurso e demitido sem o direito trabalhista. Decisão servirá
de parâmetro para outros processos no Brasil
Depois de trabalhar durante três anos e oito meses como
oficial de Justiça em Minas Gerais por meio de contrato de função pública –
exercendo as mesmas atividades dos servidores concursados –, C. foi dispensado
sem direito a qualquer verba rescisória, exceto o pagamento proporcional das
férias. Amparado na Constituição Federal e em algumas leis específicas, ele
recorreu à Justiça para tentar provar que o contrato de trabalho era nulo, pois
não fez concurso público, o que lhe daria o direito de cobrar depósitos do
Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), aviso-prévio, seguro-desemprego e
multa rescisória. A ação foi ajuizada em primeira instância em 2007 e há três
anos chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF). Agora, os ministros confirmaram
parte da tese e declararam a nulidade do contrato, concedendo ao trabalhador o
levantamento dos depósitos do FGTS.
Na decisão, os ministros declararam, ainda, a repercussão
geral do assunto, ou seja, ela serve de parâmetro para que juízes de todo o
Brasil julguem casos semelhantes da mesma forma. Não é possível determinar
quantas pessoas poderão se beneficiar do entendimento do STF, mas é certo que
União, estados e municípios teriam que arcar com milhões de reais se todos os
trabalhadores nessa condição resolvessem recorrer à Justiça – num momento de
aperto no caixa – já que essa é uma prática comum no serviço público
brasileiro. “Trata-se de uma prática viciosa nos três poderes, e a decisão
serve como um parâmetro para todo o Brasil”, alerta o advogado e mestre em
direito administrativo Humberto Lucchesi, um dos autores da ação.
A Constituição Federal, em seu artigo 37, determina a
realização de concurso público para preenchimento das vagas, exceto para os
cargos comissionados, e a nulidade dos contratos que não seguirem a regra. A
Lei 8.036/90, que trata do FGTS, por sua vez, diz que a verba deve ser paga a
trabalhadores cujo contrato seja declarado nulo nas hipóteses previstas da
Constituição. A partir da combinação das duas regras, os ministros entenderam
que o ex-oficial de Justiça teria direito à verba exclusiva de empregados da
iniciativa privada. Relator da ação, o ministro Teori Zavascki alegou que a
legislação brasileira permite contratos sem concurso público apenas para
atender a casos excepcionais e indispensáveis. Em ações anteriores, o STF já
havia reconhecido a nulidade na contratação de trabalhadores para serviços
permanentes e declarou a legalidade do recolhimento do FGTS.
Antes de chegar ao STF, a ação tramitou no Tribunal de
Justiça de Minas Gerais (TJMG). Os desembargadores negaram o pedido sob o
argumento que a Constituição não prevê o pagamento das verbas previstas na CLT
para os servidores estatutários ou contratados temporariamente para atender a
interesses excepcionais da administração pública. No entanto, os ministros do
STF reformaram a decisão.
Caso a Caso “Como foi admitido sem o devido concurso
público, a contratação é nula, o que lhe confere direito ao recebimento dos
salários referentes ao período trabalhado e ao levantamento dos depósitos
efetuados no FGTS, nos termos do artigo 19-A da Lei 8.036/1990”, argumentou
Teori Zavascki.
O advogado Humberto Lucchesi alerta que cada caso deve ser
analisado separadamente, até porque é preciso que a Justiça reconheça a
nulidade do contrato para que o FGTS seja pleiteado. O primeiro passo é
demonstrar que a prestação de serviço não se deu em caráter temporário. Além
disso, é preciso lembrar que o trabalhador tem até cinco anos, contados do fim
do contrato, para requerer o benefício. Pelo seu caráter social, pode ser
cobrado o FGTS de todo o período trabalhado.
O escritório de Lucchesi assina várias ações semelhantes e
ele conta que já foi derrotado em algumas. Com a decisão do Supremo, o advogado
espera que obtenha vitória naquelas que ainda estão tramitando. Ainda que os
juízes de primeira instância e desembargadores deem sentenças de forma
diferente, é certa a vitória no STF a partir do reconhecimento da chamada
“repercussão geral”. Em relação a clientes que já perderam a ação, ele diz ser
difícil aplicar o entendimento do STF, mas não impossível. Se a decisão tiver
menos de dois anos, a alternativa é ajuizar uma ação rescisória. “Em tese é
possível a relativização da coisa julgada”, diz.
AS CONDIÇÕES
Quem pode requerer o FGTS na Justiça
Servidores que foram contratados para o serviço público
sem concurso;
A prestação de serviço não pode ter sido temporária ou em
caráter excepcional;
A demanda só vale desde que o contrato não se destine ao
preenchimento de cargos comissionados ou de primeiro escalão (como secretários
e seus adjuntos e diretores de órgãos públicos);
O contrato tenha se encerrado há menos de cinco anos
(Isabella Souto)