BSPF - 09/10/2016
Emenda que limita gastos públicos em votação no Congresso é
o primeiro de uma série de instrumentos adotados pelo governo para realizar o
ajuste fiscal. Se aprovada, provocará outras alterações constitucionais e da
legislação ordinária para adequar os direitos sociais aos limites impostos ao
Orçamento da União
A emenda constitucional (PEC 241/2016) que limita os gastos
públicos da União, Estados e Municípios à inflação do ano anterior em votação
marcada para segunda-feira (10) na Câmara vai além da simples mudança no regime
fiscal da União. Impõe novos limites na elaboração e execução do Orçamento por
20 anos e prevê uma das mais importantes alteração no modelo de Estado
desenhado pela Constituição de 1988. Também obrigará modificações em outros
artigos constitucionais e em várias leis ordinárias que regem programas de
governo e suas metas. As mudanças nas leis nacionais, estaduais e municipais
serão obrigatórias para enquadrar na nova regra os orçamentos de todas as
instâncias de poder.
Uma das primeiras modificações terão que ser feitas nas leis
que regem a política salarial dos servidores públicos. Todas as regras que
prevejam aumento real, com reposição acima da inflação, não poderão ser nem
mesmo negociadas ou prometidas, sob pena de descumprimento do limite de gastos
previstos na emenda. Todas as leis municipais e estaduais que regem os
servidores ficarão submetidas ao limite constitucional de gastos.
Outra alteração infra-constitucional esperada é nos
critérios para o cadastramento e pagamento do Benefício de Prestação continuada
(BPC) que prevê o pagamento de um salário mínimo a quem tem pelo menos 65 anos
e nunca contribuiu para a Previdência. O dinheiro sai do orçamento do
Ministério do Desenvolvimento Social e estará sujeito aos limites da emenda,
mesmo que aumente o número de dependentes ou o valor do benefício. Estudos do
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) mostram que, pelas regras
atuais, o BPC consome, 54% do orçamento do Ministério de Desenvolvimento Social
(MDS). A projeção é que, em 20 anos, o percentual do orçamento da pasta
comprometido com o benefício suba para 177% do valor destinado à pasta.
Para enquadrar o orçamento do MDS à nova emenda que limita
gastos, os critérios para o pagamento e a atualização do valor do benefício
também teriam que ser alterados, deixando de fora do programa social novas
pessoas ou limitando os pagamentos. “Estamos no meio de um embate ideológico,
de modelo de estado que queremos”, disse o deputado Patrus Ananias (PT-MG), ex-ministro
da área.
Projeção feita pela Sociedade Brasileira de Economia Polícia
estima a redução das despesas primárias da União dos atuais 20% do PIB neste
ano, para 16% em 2026 e apenas 12% em 2036, prazo final da vigência prevista na
emenda. Isto ocorreria porque a União se desobrigaria de abrir novas vagas em
programas como o Bolsa Família e o Minha Casa, Minha Vida, por exemplo. Ou
reduzir drasticamente as compras públicas, tanto para custeio quanto para
investimentos. Nesta conta estão as obras que deixarão de ser feitas, novos
hospitais ou escolas abertos para atender a demanda.
Salário mínimo
A emenda também implicará em mudanças nas regras de reajuste
do salário mínimo. Por lei, o valor do mínimo deve ser reajustado pela inflação
do ano anterior, acrescido da variação do PIB de dois anos antes. Para não
descumprir a regra constitucional do limite de gastos, a lei que reajusta o
piso teria que ser modificada para evitar que as despesas da União, Estados e
Municípios furem o limite de gastos impostas pela emenda 241.
A oposição — formada por PT, PCdoB, PDT, PSol e Rede,
partidos que estavam no governo até o impeachment da presidente Dilma Rousseff
ou foram contra o processo de afastamento, aponta para uma situação caótica com
a adoção do Novo Regime Fiscal. Pelas
projeções, se a nova regra estivesse em vigor desde 2006 o valor do salário
mínimo seria de R$ 550 e não os atuais R$ 880. O orçamento do setor de saúde,
segundo os cálculos da oposição, cairia dos atuais R$ 102 bilhões para R$ 65
bilhões. O mesmo ocorreria com a área da educação que não conseguiria um
orçamento de R$ 103 bilhões previstos para este ano e ficaria restrito a R$ 31
bilhões. Estes cálculos levaram em consideração a variação do IPCA no período.
“Com tantos cortes nos gastos do governo para atender á
demanda por serviços do Estado, esta emenda implicará em transferência de renda
às avessas, dos pobres para os ricos”, diz o diretor técnico do departamento
Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), Antônio Augusto de Queiroz.
O rigor da emenda assusta a Ordem dos Advogados do Brasil
(OAB). O presidente das entidade, Cláudio Lamachia, questiona a
constitucionalidade de um mecanismo que, mesmo com a necessidade de ampliação
da assistência do estado, a regra não permitirá maiores investimentos. “Na área
da saúde, a emenda 241 levará à redução de investimentos e a uma situação de
caos, pois a população brasileira está aumentando e também está envelhecendo”,
disse Lamachia. O alerta para o excessivo rigor da emenda também vem do Conselho
Nacional dos Procuradores-Gerais de Contas (CNGPC). “Há saída nas renúncias de
receitas, na redução de cargos comissionados, no freio à falta de limite para a
dívida pública, entre outras. Os créditos subsidiados via BNDES, por exemplo,
constituem caixas-pretas que drenam esses recursos”, diz a presidente do
Conselho Nacional de Procuradores-gerais de Contas, Cláudia Fernanda.
Remédio amargo
A equipe econômica do governo e a base de sustentação
parlamentar do presidente Michel Temer no Congresso – formada pelo PMDB, DEM, PSDB, PP, PSD e
outras bancadas menores — consideram o remédio do limite de gastos “amargo”,
mas necessário. Sem ele, argumentam, haverá o caos econômico, a incapacidade de
o país continuar honrando seus compromissos, até mesmo com despesas
corriqueiras como os salários de servidores, dos aposentados e até de
fornecedores, o que provocaria a desorganização da economia.
Para reforçar o argumento a favor da limitação de gastos, os
governistas alegam que o elevado déficit fiscal da União provoca o crescimento
da inflação e a consequente elevação das taxas de juros, que retroalimenta o
déficit e provoca desemprego, mais recessão e uma arrecadação tributária menor
ainda. Além, disso, as projeções do governo apontam para um aumento do
comprometimento de 80% do PIB com as dívidas interna e externa.
“Estamos saindo de um estado social e irresponsável do ponto
de vista fiscal para outro regime que respeita os limites financeiros da União,
Estados e municípios”, argumenta o deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS), relator
da emenda. Perondi lembra que de 1997 a 2015 a despesa primária do governo
federal quase triplicou em termos reais, um crescimento médio de 6,2% ao ano
acima da inflação, combinado com déficit primário R$ 170 bilhões (2,7% do PIB)
de resultado negativo previsto neste ano de 2016. para reforçar a necessidade
de remédio tão drástico, Perondi cita que, desde 2013 a dívida pública disparou
de 51,7% para 70,1% do PIB, segundo números de agosto. O custo da dívida para o
Tesouro foi de R$ 500 bilhões em juros.
Os governistas alertam para o risco de insolvência da União
sem a aprovação do limite de gastos. Citam, por exemplo, o comportamento da
dívida da União. Desde 2013, a dívida pública disparou de 51,7% para 70,1% do
PIB até agosto e há uma previsão de chegar rapidamente em 80%. Para rolar essa
dívida, o Tesouro é obrigado a pagar ao mercado financeiro mais de R$ 500
bilhões em juros. “Ou aprovamos esta emenda com estes limites ou o pais
quebra”, diz o deputado Heráclito Fortes (PSB-PI). A emenda limita, apenas, o
gasto primário da União. Deixa de fora as despesas financeiras com o pagamento
de juros das dívidas pelo Tesouro — e as isenções fiscais, também consideradas
gastos tributários.
O governo tem pressa. Para tentar votar logo na
segunda-feira a emenda de limite de gastos ( e depois em segundo turno até
novembro), o presidente Michel Temer organizou um jantar inédito e espera que
passem pelo Palácio da Alvorada 400 deputados, número de sobra para aprovar a
mudança na Constituição. Mas para conseguir concretizar a mudança, o planalto e
sua base de apoio no Congresso precisam aprovar a emenda também em duas
votações no Senado e depois tentar impedir que o Supremo Tribunal Federal
considere a mudança inconstitucional porque interfere na autonomia de outros
poderes, como quer o Procurador Geral da República, Rodrigo Janot.
Por Leonel Rocha
Fonte: Congresso em Foco