BSPF - 18/11/2016
Média mensal de servidores aposentados é a maior desde 2003.
Governo quer enviar em breve
O analista Antônio Oliveira tem 57 anos e resolveu se
aposentar neste ano. A professora Ângela Albuquerque, de 59, também. São
servidores públicos há mais de 30 anos. Ele, no Distrito Federal. Ela, no Rio
de Janeiro. Eles até trabalhariam mais uns dois ou três anos, mas nenhum dos
dois quis “pagar para ver” como ficará a Previdência Social brasileira após a
reforma que o Governo Michel Temer deve enviar ao Congresso Nacional nos
próximos meses. “O aposentado já perde muito hoje no Brasil. Na dúvida, preferi
pendurar as chuteiras logo. Vai que o Governo só piora a situação”, diz
Oliveira.
Recém-aposentados, ambos engrossam uma extensa lista de
trabalhadores, das iniciativas pública e privada, que vem crescendo desde que
Temer se tornou presidente. Os dados do Ministério do Planejamento mostram que
2016 tem registrado um recorde entre os funcionários que pedem aposentadoria.
Entre janeiro e agosto, o mês mais atual no boletim estatístico de pessoal da
pasta, foram 11.635, uma média mensal de 1.939. É a maior média desde 2003,
quando ocorreram as últimas mudanças drásticas na Previdência Social. Naquele
ano, a média menssal era de 1.496. Apenas para efeito de comparação, no ano
passado, a média era de 1.374, 42% menor do que neste ano.
Na iniciativa privada, os dados do Instituto Nacional de
Seguro Social (INSS) também demonstram um aumento nos pedidos. Em agosto deste
ano, 4,8 milhões de benefícios foram concedidos pelo INSS. O número é 11,6%
maior do acumulado nos últimos doze meses, conforme o Boletim Estatístico da
Previdência Social.
O aumento nas aposentadorias também fez com que a idade
média do aposentado do setor público tenha caído em um ano – de 60, para 59
anos. “Pique para trabalhar eu tenho. Mas preferi curtir um pouco mais a vida.
Já contribuí bastante para o país”, afirma a professora Albuquerque. Com a
expectativa de vida do brasileiro crescendo a cada ano, a atual é de
aproximadamente 75 anos, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), o número de cidadãos beneficiados por períodos mais longos
com o dinheiro da previdência tende a crescer.
Os especialistas em Previdência já esperavam essa corrida
pela aposentadoria. “Ameaça de mudanças é sempre na direção de novas
exigências. Amedronta o trabalhador que vai em busca de um mínimo garantido de
recursos para sua sobrevivência”, avalia o presidente da Associação Nacional
dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Anfip), Vilson Romero.
Doutora em política social e professora do Departamento de
Serviço Social da Universidade de Brasília (UnB), Maria Lúcia Lopes da Silva
diz que a proposta de emenda constitucional do Teto de Gastos que tramita no
Legislativo já limitava os benefícios aos servidores públicos, ao prever
congelamento de contratações e aumentos caso o limite de despesas não for
respeitado. “Nesta conjuntura complexa, em que tantos direitos estão sendo
eliminados sem qualquer consideração e respeito para com aqueles aos quais se
destinam, o anúncio de mais perdas de direitos é mais do que uma ameaça, é uma
sentença. Escapar dela é a meta de todos os que se sentem ameaçados”, diz
Silva.
Nos Estados, a expectativa é que também haja um boom de
aposentadorias. A razão não seria a reforma da Previdência, mas a alta
quantidade de contratações nos anos 1990 por meio de concursos públicos. Um
estudo produzido pelo economista Nelson Marconi, da Fundação Getúlio Vargas e
publicado pelo jornal O Estado de S. Paulo no domingo passado, mostra que 48%
do funcionalismo público dos Estados terão condições de se aposentarem – o
número equivale a 1,8 milhão de pessoas. “Pelas regras atuais, os sistemas
previdenciários estaduais não vão suportar a conta e a crise, hoje concentrada
em alguns Estados, vai se espalhar”, afirmou Marconi ao jornal paulista.
Sinal de alerta
O Governo Temer argumenta que, tal como está, a Previdência
é insustentável. De acordo com projeções do Ministério da Fazenda, mantidas a
legislação em vigor, as despesas do sistema geral, o INSS, passariam de 8% do
PIB em 2016 para 17,5% do PIB em 2060. As mudanças na Previdência são,
precedidas da aprovação do teto de gastos, são os pilares do programa do Governo
para tentar conter o déficit nas contas públicas sem aumento imediato de
impostos ou uma reforma tributária.
Por isso, no Palácio do Planalto, o assunto é discutido
intensamente e o sinal de alerta já foi acendido ante uma possível corrida pela
aposentadoria nos próximos meses. O assunto já gerou declarações dos principais
assessores do presidente no sentido de que a reforma será a “possível de
ocorrer”.
Entre as estratégias para medir como a sociedade reagiria ao
tema é lançar balões de ensaio, o jargão usado quando as autoridades utilizam a
mídia para ventilar possíveis propostas e avaliar como são recebidas por
diferentes atores. Em alguns momentos, informam que haverá uma idade mínima
para se aposentar tanto entre os homens quanto para as mulheres (hoje o que
vale é a regra que soma a idade com o tempo de contribuição). Depois afirmam
que as mesmas mudanças valerão para os militares. Mas voltam atrás de algumas
das propostas. Outras sugestões que estão sendo estudadas é a uniformização dos
direitos entre trabalhadores dos setores públicos e privados e a desvinculação
dos benefícios em relação ao valor do salário mínimo.
Entre os especialistas, a maioria concorda que o tema será
um dos mais debatidos no Congresso Nacional e com maior dificuldade de
aprovação. “Resta saber o que o Governo terá coragem de apresentar e quais
pontos ele está disposto a negociar”, alerta o economista e consultor Raul
Velloso, um dos principais estudiosos do tema no país.
Nesse meio tempo, os aliados de Michel Temer buscam centrais
sindicais que possam encampar as alterações projetos, já que as maiores delas
já sinalizaram que são contrárias às alterações. A expectativa é que parte dos
sindicatos e federações de trabalhadores se mobilizem contra as mudanças. Um
primeiro sinal foi dado na sexta-feira, dia 11, quando paralisações pontuais de
trabalhadores ocorreram em ao menos 21 Estados e no Distrito Federal. A razão
foi a votação da PEC do Teto de Gastos no Congresso Nacional. Mas o mesmo
grupo, liderado principalmente pela Central Única dos Trabalhadores, também é
contrário à Reforma Previdenciária. O próximo protesto deve ocorrer no dia 29
de novembro.
Fonte: EL PAÍS (Afonso Benites)