Consultor Jurídico
- 15/02/2017
O edital é visto como a “lei do concurso”, já que suas
regras vinculam tanto os candidatos aos cargos quanto a Administração Pública.
No entanto, suas normas devem ser interpretadas de acordo com as circunstâncias
do caso concreto e, mais importante, com sua finalidade última: selecionar os
indivíduos mais qualificados para o exercício da função pública. Assim, os
requisitos formais de escolaridade não impedem o acesso ao serviço público por
candidato detentor de titulação acadêmica superior à exigida, desde que na
mesma área de conhecimento.
Este entendimento levou a 4ª Turma do Tribunal Regional
Federal da 4ª Região a reconhecer o direito de uma candidata bacharel em
Ciências Sociais a tomar posse no cargo de professora de Ensino Básico, após
aprovação em concurso promovido pelo Instituto Federal Catarinense (IFC). O
problema é que o edital previa a licenciatura em Ciências Sociais ou Sociologia
como requisito para a vaga, e a autora tem pós-doutorado na disciplina.
Em ato administrativo, o reitor do IFC excluiu a candidata
do certame, mesmo tendo sido aprovada, por considerá-la sem “qualificação
mínima” — justamente a licenciatura. Logo, como não preencheu este requisito,
não poderia tomar posse no cargo. A candidata, então, impetrou Mandado de
Segurança, alegando ter o grau de bacharel em Ciências Sociais, além de
pós-doutorado, doutorado e mestrado. Estas qualificações, a seu ver, bastam
para o exercício da função pública.
Titulações diferentes
No primeiro grau, a juíza-substituta Lívia de Mesquita
Mentz, da 2ª Vara Federal de Blumenau (SC), negou o pedido por entender que as titulações
apresentadas pela autora são diferentes das solicitadas no edital. E não seria
possível deduzir que todas as competências desenvolvidas no curso de
licenciatura estejam englobadas no currículo do curso superior de bacharelado
em Ciências Sociais. Ainda: o fato de ter ministrado aulas não habilitaria a
autora, pois o edital é claro ao exigir diploma de licenciatura.
A juíza citou parecer do representante do Ministério Público
Federal: “Não há dúvidas de que a impetrante possui vasta qualificação e
experiência. Entretanto, ainda que o bacharelado, mestrado, doutorado e
pós-doutorado, todos cursados em instituições de ensino superior, que
certamente figuram entre as melhores do país, possam ter lhe conferido
conhecimentos na área de licenciatura, o fato é que a impetrante não demonstrou
a habilitação específica exigida pelo edital, a qual, destaco, é voltada
especificamente à área de licenciatura”.
A julgadora ainda destacou que o estabelecimento da
graduação e dos títulos exigidos para o preenchimento da vaga é questão de
mérito administrativo e se justifica por razões técnicas e educacionais. “Na
espécie, [a exigência contida no edital] não está eivada de qualquer
ilegalidade ou inconstitucionalidade, ao revés, é o candidato que deve
adequar-se aos termos do edital, instrumento ao qual tem acesso e plena
informação no momento em que se inscreve no certame”, escreveu na sentença.
Qualificação superior
A relatora da apelação na corte, desembargadora Vivian
Josete Pantaleão Caminha, teve entendimento diferente, reformando a sentença.
Para ela, a aplicação das normas do edital deve estar em consonância com o caso
concreto e com a finalidade de selecionar o candidato mais qualificado para a
função. Neste sentido, destacou que a autora não só possui qualificação técnica
superior à exigida no edital como desempenha atividades compatíveis com a sua
formação intelectual — é professora substituta em uma graduação em Gestão
Pública para o Desenvolvimento Econômico e Social e pesquisadora em nível de
pós-doutorado em Política Social.
A desembargadora observou que o requisito do edital
estabelece um nível mínimo de qualificação para o desempenho satisfatório das
atribuições atinentes ao cargo. Tal não impede, no entanto, o acesso de
candidato que, embora formalmente sem habilitação no campo da licenciatura,
tenha atingido patamares mais elevados de formação acadêmica e profissional na
área específica. É que, para além da pura e simples dicção legal, a exigência
visa a atender ao princípio da eficiência administrativa.
A desembargadora citou ainda o parecer do representante do
MPF no colegiado, que opinou pela procedência da apelação, e a jurisprudência
da corte. Registra a ementa do acórdão do Reexame Necessário número
5005225-88.2015.404.7000: “A jurisprudência deste Tribunal assentou o
entendimento de que não se afigura razoável excluir candidato com qualificação
superior à exigida e dentro da mesma área de formação, uma vez que o objetivo
da administração ao realizar um concurso público é o preenchimento dos cargos
com os candidatos mais preparados”.