Consultor Jurídico
- 03/05/2017
O Supremo Tribunal Federal publicou nesta quarta-feira (3/5)
proposta de súmula vinculante para tentar acabar com decisões judiciais que
concedem o chamado “reajuste de 13,23%” a servidores públicos sem previsão em
lei. De autoria do ministro Gilmar Mendes, o verbete propõe estender ao caso
específico desse ajuste a vedação ao reajuste salarial com base no princípio da
isonomia, já prevista de maneira mais ampla na Súmula Vinculante 37.
Em sua proposta de súmula, Gilmar afirma que todos os
ministros da atual composição do Supremo, exceto Alexandre de Moraes, têm pelo
menos uma decisão cassando o reajuste concedido pelo Judiciário. Como exemplos,
ele cita 14 reclamações em que o STF cassou o aumento.
“Não obstante o teor da orientação firmada nas mencionadas
decisões, é cediço que a controvérsia a respeito do tema segue atual e acarreta
grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre
idêntica questão”, diz o ministro, na proposta. Com a publicação do texto no
Diário de Justiça Eletrônico do Supremo (DJe), os interessados no assunto têm
cinco dias para se manifestar, antes que a PSV seja enviada à
Procuradoria-Geral da República.
Embora o conflito seja atual, a história do “reajuste de
13,23%” é longa. Começou em julho de 2003, quando foi sancionada a Lei 10.698,
por meio da qual o governo concedeu a todos os servidores públicos federais um
aumento de R$ 59,87. É a Vantagem Pecuniária Individual (VPI).
Imediatamente, servidores foram à Justiça reclamar da falta
de paridade no pagamento da verba. Reclamavam que, enquanto a VPI representava
6% de aumento para quem ganhava R$ 1 mil, significava 0,0015% para quem ganha
R$ 40 mil, conforme contou o economista Antonio Delfim Netto em texto publicado
nesta quarta no jornal Folha de S.Paulo.
A Justiça Federal, então, começou a decidir que a natureza
jurídica da VPI é de reajuste geral, e por isso deveria ser paga
proporcionalmente aos servidores, retroativamente à data de sua criação. A
conta feita foi que a verba deveria ser o equivalente à fração que a VPI representava
no menor salário do funcionalismo público federal na época: R$ 452,23. Assim
chegou-se à cifra de 13,23%.
E a Justiça Federal começou a determinar o pagamento da
correção retroativa a 2003, data da edição da lei. Delfim Netto chamou o
entendimento de "hermenêutica logarítimica". Nesta quarta, o Tribunal
de Contas da União negou pedido para transformar a VPI em reajuste salarial.
"Quem fizer esse pagamento pode ser condenado pelo TCU", disse,
depois do julgamento, o ministro Bruno Dantas, relator do processo.
O conflito jurídico começou a se desenrolar em torno da
natureza jurídica da verba. Outras varas da Justiça Federal passaram a entender
que a VPI não seria reajuste geral. Esse reajuste foi dado pela Lei
10.697/2003, sancionada no mesmo dia da lei que criou a VPI. Ela deu 1% de
aumento a todos os servidores públicos federais.
Regulamentação e jurisdição
Em 2012, a 1ª Turma do STJ decidiu que a VPI era, sim,
reajuste geral, e por isso deveria ser proporcional ao salário. E manteve a
conta dos 13,23%. Meses depois, a 2ª Turma do Supremo cassou decisão que havia
transformado a VPI em reajuste, mas afirmando ser inconstitucional a concessão
de reajuste sem previsão em lei com base no princípio da isonomia.
A discussão continuou nas instâncias locais, até que, em
2014, o ministro Gilmar Mendes cassou decisão do Tribunal Regional Federal da
1ª Região que havia concedido o “reajuste de 13,23%”, com base no precedente da
2ª Turma. Imediatamente, as turmas de Direito Público do STJ se adequaram ao
entendimento.
Conforme conta o ministro Gilmar em sua proposta de súmula,
embora a jurisprudência tenha se firmado, a briga não terminou. Tornou-se uma
disputa entre as demandas salariais do funcionalismo público federal contra
entendimentos judiciais.
Em maio de 2016, reportagem da ConJur revelou que o Conselho
Nacional de Justiça analisa um processo de regulamentação do “reajuste de
13,23%”. O argumento é o de que a Justiça Federal vinha reconhecendo que a VPI
tem natureza jurídica de reajuste geral, e não de verba eventual.
O processo foi aberto porque o STJ, o Conselho da Justiça
Federal, o Superior Tribunal Militar e o Tribunal de Justiça do Distrito
Federal pediram complementações orçamentárias para pagar a verba. O STJ pediu
R$ 149 milhões; a Justiça Federal, R$ 875,5 milhões; o TJ-DF, R$ 275,2 milhões;
e o STM, R$ 33 milhões. No total, a União terá de gastar R$ 1,3 bilhão com
esses reajustes, caso o CNJ concorde com o pedido.
É uma tentativa de contornar a jurisprudência. Em abril
deste ano, foi ajuizado no STJ um Pedido de Uniformização de Interpretação de
Lei (Puil) para que se defina, mais uma vez, qual a natureza jurídica da VPI. O
autor do pedido é um servidor federal que teve seu pleito de transformar a
verba em reajuste negado pelo Conselho da Justiça Federal.
Dois meses depois do ajuizamento do pedido de uniformização,
a Turma Nacional de Uniformização do CJF, responsável por definir a tese a ser
aplicada a cada tema em discussão nos Juizados Especiais, definiu que a VPI não
é reajuste geral. Portanto, seu pagamento em parcela única a todos em julho de
2003 encerrou o assunto. O aumento, definiu a TNU, foi o de 1% concedido pela
Lei 10.697.
“Não há dúvidas quanto ao entendimento firmado pelo STF a
respeito do tema: os servidores públicos federais não fazem jus ao pretendido
reajuste geral de 13,23%, nem com base na Lei 10.698/03 tampouco com espeque na
Lei 13.317/2016”, diz o ministro Gilmar na sua proposta de súmula vinculante.
“É reiterado o entendimento desta corte no sentido de que a concessão do
reajuste de 13,23% pelo Judiciário com base no princípio da isonomia, sem
qualquer autorização legal, afronta diretamente o princípio da legalidade, bem
como a Súmula 339 e a Súmula Vinculante 37.”
PSV 128
Por Pedro Canário
Pedro Canário é editor da revista Consultor Jurídico.