Agência Senado
- 04/10/2017
A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ)
aprovou nesta quarta-feira (4) regras para a demissão de servidor público
estável por "insuficiência de desempenho", aplicáveis a todos os
Poderes, nos níveis federal, estadual e municipal. A regulamentação tem por
base o substitutivo apresentado pelo relator, senador Lasier Martins (PSD-RS),
a projeto de lei (PLS 116/2017 – Complementar) da senadora Maria do Carmo Alves
(DEM-SE). A matéria ainda passará por três comissões, a começar pela Comissão
de Assuntos Sociais (CAS).
Debate de quase duas horas antecedeu a votação, encerrada
com nove votos favoráveis à proposta e quatro contrários. Pelo texto, o
desempenho funcional dos servidores deverá ser apurado anualmente por uma
comissão avaliadora e levar em conta, entre outros fatores, a produtividade e a
qualidade do serviço. Deve ser garantido o direito ao contraditório e à ampla
defesa.
No texto de Maria do Carmo, a responsabilidade pela
avaliação de desempenho seria do chefe imediato de cada servidor. A justificar
sua opção por transferir a tarefa a uma comissão, Lasier Martins afirmou que
nem sempre o chefe imediato é um servidor estável, mas sim um comissionado sem
vínculo efetivo com a administração pública.
O relator disse que também pesou na sua decisão temores de
entidades representativas dos servidores, expostas em debate na CCJ. Para as
entidades, não seria razoável deixar exclusivamente a cargo da chefia imediata
uma avaliação que levar à exoneração de servidor estável. Segundo ele, foi
citado o risco de uma decisão de tamanha gravidade ser determinada “por
simpatias ou antipatias no ambiente de trabalho”.
Quanto à periodicidade das avaliações, Maria do Carmo havia
sugerido elas ocorressem a cada seis meses. Ao justificar a opção por processos
com periodicidade anual, Lasier afirmou que seis meses seria um intervalo de
tempo “muito curto” para a realização das avaliações, gerando carga de
atividades que nem todos órgãos públicos estariam aptos a cumprir com a necessária eficiência.
Fatores de avaliação
De acordo com o substitutivo, a apuração do desempenho do
funcionalismo deverá ser feita entre 1º de maio de um ano e 30 de abril do ano
seguinte. Produtividade e qualidade serão os fatores avaliativos fixos,
associados a outros cinco fatores variáveis, escolhidos em função das
principais atividades exercidas pelo servidor no período. Estão listados, entre
outros, “inovação, responsabilidade, capacidade de iniciativa, foco no
usuário/cidadão”.
A ideia é que os fatores de avaliação fixos contribuam com
até metade da nota final apurada. Os fatores variáveis deverão corresponder,
cada um, a até 10% da nota. A depender da nota final, dentro de faixa de zero a
dez, o desempenho funcional será conceituado dentro da seguinte escala:
superação (S), igual ou superior a oito pontos; atendimento (A), igual ou
superior a cinco e inferior a oito pontos; atendimento parcial (P), igual ou
superior a três pontos e inferior a cinco pontos; não atendimento (N), inferior
a três pontos.
Demissão
A possibilidade de demissão estará configurada, segundo o
substitutivo, quando o servidor público estável obtiver conceito N (não
atendimento) nas duas últimas avaliações ou não alcançar o conceito P
(atendimento parcial) na média tirada nas cinco últimas avaliações. Quem
discordar do conceito atribuído ao seu desempenho funcional poderá pedir
reconsideração ao setor de recurso humanos dentro de dez dias de sua
divulgação. A resposta terá de ser dada no mesmo prazo.
Também caberá recurso da decisão que negar, total ou
parcialmente, o pedido de reconsideração. Mas essa a possibilidade só será
aberta ao servidor que tiver recebido conceito P ou N. O órgão de recursos
humanos terá 15 dias, prorrogáveis por igual período, para decidir sobre o
recurso.
Esgotadas todas essas etapas, o servidor estável ameaçado de
demissão ainda terá prazo de 15 dias para apresentar suas alegações finais à
autoridade máxima da instituição onde trabalha. O substitutivo deixa claro
também que a insuficiência de desempenho relacionada a problemas de saúde e
psicossociais poderá dar causa à demissão, mas apenas se a falta de colaboração
do servidor no cumprimento das ações de melhoria de seu desempenho não decorrer
exclusivamente dessas circunstâncias.
Carreiras de Estado
O texto de Maria do Carmo estabelecia um processo de
avaliação de desempenho diferente para servidores de carreiras exclusivas de
Estado, como policiais, procuradores de órgãos de representação judicial,
defensores públicos e auditores tributários. Essas categorias poderiam recorrer
à autoridade máxima de controle de seu órgão caso houvesse indeferimento total
ou parcial de recurso contra o resultado da avaliação. A exoneração por
insuficiência de desempenho também dependeria de processo administrativo
disciplinar específico.
Lasier Martins mudou a proposta com a justificativa de que
poderia haver inconstitucionalidade na medida. Na reformulação desse
dispositivo, ficou estipulado que a exoneração por insuficiência de desempenho
de servidores vinculados a atividades exclusivas de Estado dependerá de
processo administrativo específico, conduzido segundo os ritos do processo
administrativo disciplinar.
Emendas
Onze emendas foram apresentadas ao projeto, mas Lasier
acatou apenas duas, apresentadas pelo senador Humberto Costa (PT-PE), de modo
parcial. Uma delas garante prioridade aos servidores avaliados com
insuficiência de desempenho nos programas de capacitação e treinamento dos
respectivos órgãos. A emenda também livraria o servidor nesta condição de ser
penalizado com o conceito “P” (atendimento parcial) ou “N” (não atendimento)
nas próximas avaliações caso seu órgão não fornecesse a reciclagem exigida.
Esse parte da emenda, porém, não foi aproveitada.
Lasier aproveitou o ponto referente à necessidade de os
órgãos priorizarem a oferta de programas de capacitação e treinamento aos
servidores com insuficiência de desempenho. Entretanto, considerou “descabido”
o bloqueio das avaliações posteriores de quem está nessa faixa, na hipótese de a
reciclagem não ter sido ofertada.
A segunda emenda se refere ao processo de desligamento dos
servidores que exercem atividades exclusivas de Estado. Nesse caso, ele adotou
a proposta para que a exoneração por insuficiência de desempenho dependerá de
processo administrativo específico, além de sugestão para deixar claro, como
queria Humberto Costa, que a decisão final nesse caso competirá à autoridade
máxima da instituição.
A base das alterações sugeridas por Humberto Costa foi o
parecer do senador Romero Jucá (PMDB-RR) a projeto de lei da Câmara (PLC
43/1999- Complementar), de autoria do Executivo, que também disciplinava a
perda de cargo público por insuficiência de desempenho do servidor estável.
Esse projeto foi arquivado em 2007, sem que a Câmara dos Deputados se
manifestasse sobre o substitutivo oferecido por Jucá e aprovado pelo Senado.
Eficiência
Ao defender sua proposta, Maria do Carmo disse que seu
objetivo não é prejudicar os "servidores públicos dedicados", “que
honram cotidianamente os vencimentos que percebem e são imprescindíveis para o
cumprimento das atribuições estatais”. Disse ser necessário levar em conta que,
quando não há a perda do cargo de um agente público negligente, sérias
consequências derivam dessa omissão.
“A sociedade se sente lesada, porquanto desembolsa pesados
tributos para o correto funcionamento da máquina pública que, por sua vez, não
lhe retorna o investimento em bens e serviços. Além disso, a mensagem passada
aos servidores responsáveis e que prestam bem o seu papel é de que não vale a
pena o esforço, pois aquele funcionário que não trabalha e sobrecarrega os
demais jamais será punido”, argumentou.
Lasier concordou com Maria do Carmo sobre a necessidade
“premente” de regulamentação do processo de avaliação de desempenho do servidor
público. Apesar de enxergar a estabilidade não só como um direito, mas também
como uma garantia de que a atividade estatal será exercida com maior
impessoalidade e profissionalismo, o relator na CCJ observou que esse instituto
“não pode ser uma franquia para a adoção de posturas negligentes ou desidiosas
pelo servidor”.
Rejeição
Durante a discussão, o senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP)
apresentou voto em separado pela rejeição. Justificou que sua divergência não
se fundamentava na “defesa cega” de supostos privilégios dos servidores, esse
um discurso de defensores do Estado mínimo e do desmonte das políticas
públicas. Segundo ele, a proposta ainda motiva dúvidas tanto técnicas quando a
respeito de seus objetivos.
— Há dúvidas razoáveis sobre seus fins políticos reais,
direcionados, em alguma medida, a favorecer um expurgo arbitrário do serviço
público, com vistas à redução do tamanho do Estado, numa perspectiva econômica
ortodoxa, arcaica e, sobretudo, autoritária — sustentou.
Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), que pediu verificação de
presença na votação, disse que o momento não é próprio, nem a forma do projeto
serve para abrir um debate tão importante. Para ela, há o risco de se cometer
inúmeras injustiças com os servidores. Lamentou que nove emendas suas tenham
sido rejeitadas e a apontou hipótese de vício constitucional no projeto, pois iniciativas
referentes a carreiras de servidores caberiam apenas ao Executivo.
"Meritocracia"
A senadora Ana Amélia (PP-RS) disse não associar o projeto
com o fim da estabilidade, mas, sim, como defesa da “meritocracia”. Outros
senadores, como Eduardo Braga (PMDB-AM), mesmo defendendo a proposta, disse que
ainda há necessidade de aprimoramento, que podem ser feitos nas próximas
comissões que analisarão a matéria.
O senador Armando Monteiro (PTB-PE) concordou com a tese de
Braga de que o desempenho do servidor muitas vezes é prejudicado pela falta de
condições de trabalho, mas disse que isso não é motivo que que não se falam
avaliações de desempenho.
— É possível identificar às vezes, em precaríssimas
condições materiais, servidores que se superam em meio a essas limitações e dão
belos exemplos cotidianamente do seu compromisso e, verdadeiramente, daquilo
que eles internalizam como sendo a sua missão — afirmou Monteiro.
A senadora Simone Tebet (PMDB-MS) votou a favor, mas também
apontou a possibilidade de vício de constitucionalidade. No caso de leis
complementares, que se aplicam a todos os poderes e entes federativos, ela
afirmou que só é possível legislar em relação a normas gerais, e não
específicas, como faz o projeto. A senadora chegou a defender o adiamento da
votação para que o assunto fosse melhor estudado, mas observou que ajustes
podem ainda ser feitos nas demais comissões.