BSPF - 11/11/2017
Governo diz que quer fazer a reforma da Previdência para
acabar com as regalias do funcionalismo público
A equipe econômica que ascendeu com Michel Temer colocou
desde o início a reforma da Previdência como condição para a estabilização da
economia. A tese faz sentido e conquistou corações no mercado. Agora, o governo
começa a sentir o peso de não conseguir levar o plano adiante por uma
combinação de inépcia (o presidente denunciado duas vezes) e impopularidade do
tema. A última tentativa antes de o tema ser jogado para 2019 é um ataque de
frente ao funcionalismo.
A primeira impressão que esse ataque aos servidores passa é
a de que o governo quis antes de tudo encontrar um culpado para o fracasso da
reforma. Agora, há um inimigo claro: os servidores privilegiados. É a pressão
desse grupo o grande inimigo do ajuste. Ao mesmo tempo, essa estratégia compra
tempo com o mercado, cada vez mais nervoso com a lentidão do ajuste das contas
públicas e a aproximação de uma eleição presidencial totalmente aberta.
São duas as questões que emergem da “guerra ao servidor”. A
primeira é o tamanho do prejuízo da “desidratação” da reforma. A segunda é se
realmente os servidores merecem ser colocados como o centro do debate.
Começando pelo papel de vilão do funcionalismo, há uma
hipocrisia em como agora ele é vendido como o bode expiatório da reforma. Foram
sucessivos governos, congressos, assembleias legislativas e câmaras municipais
que criaram a redoma que protege os servidores. Os penduricalhos, reajustes,
carreiras e benefícios previdenciários estão todos escritos nas leis. O sistema
político viveu durante décadas em simbiose com a burocracia bem paga e com
aposentadoria integral.
Enfrentar as regalias, portanto, é também lidar com essa
relação simbiótica. E ela merece ser enfrentada. O déficit per capita na
Previdência do funcionalismo (RPPS) é muito maior do que no INSS. No regime dos
servidores, houve no ano passado um déficit de R$ 77 bilhões, sendo sendo R$ 43
bilhões para servidores civis e R$ 34 bilhões para militares. Como são 682 mil
aposentados e pensionistas civis, o Tesouro arca com R$ 63 mil por ano para
cada beneficiário. No caso dos 299 militares e suas pensionistas, o valor é de
R$ 113 mil por ano.
No INSS, onde o déficit no ano passado foi de R$ 149,7
bilhões, o valor que o Tesouro precisou arcar para cada um dos 29 milhões de
beneficiários é de R$ 5.162 por ano. O valor é mais alto para aposentadorias
rurais, já que os trabalhadores do campo não contribuem da mesma forma que os
urbanos.
Esse desequilíbrio, somado a outros tantos penduricalhos e
facilidades presentes em diversas carreiras, é injustificável. Parte do
problema foi atacado em uma medida provisória que agora tramita no Congresso e
que aumenta a alíquota de contribuição para os servidores federais que ganham
acima do teto do INSS. Mas isso é pouco. O benefício da aposentadoria integral
e paritária, que será obtido por quem entrou no serviço público antes de 2003,
ou pela média dos salários, para quem entrou entre 2003 e 2013, tem um custo
que precisa ser melhor compensado.
O detalhe que a nova argumentação do governo não traz é que
o texto da reforma aprovado na comissão especial há cinco meses já fazia parte
desse trabalho. Ele eleva a idade mínima de aposentadoria imediatamente para os
funcionários que podem manter a integralidade. No resto, a reforma igualava as
regras dos sistemas público e privado. Infelizmente, os militares ficaram de
fora. E não devem ser incluídos agora. É muito improvável que a nova proposta
vá além disso.
Assim, chegamos à segunda questão. Ao desidratar a reforma
para torná-la mais palatável, o governo faz com que um novo ajuste seja
necessário ainda mais cedo do que o imaginado. O texto que saiu da comissão
especial aumentava gradualmente o tempo mínimo de contribuição, algo importante
para a sustentabilidade do sistema no longo prazo – afinal, com 15 anos de
contribuição, a lei hoje já garante um salário mínimo de aposentadoria.
Além disso, ele tinha uma boa regra de transição, que
aumentava imediatamente a idade mínima de aposentadoria e impunha sua elevação
gradual. Uma regra mais flexível fará com que a idade mínima de 65 anos para
homens e 62 para mulheres só entre em vigor na década de 2040. Em outra frente,
o país terá de debater em algum momento a aposentadoria rural, atualmente a
categoria mais subfinanciada do INSS. E as várias aposentadorias especiais,
como de policiais e professores, também não deveriam ficar de fora, por uma
questão de justiça contributiva.
Com um inimigo escolhido e uma reforma capenga em mãos, o
governo agora tem poucas semanas para convencer o Congresso de que o dano
eleitoral da votação será contornável. A missão parece impossível. A
resistência é grande nos partidos de oposição e, dentro da base, a antipatia à
idade mínima com a atual regra de transição é grande. A pressão do
funcionalismo surtiu efeito em várias votações recentes e ameaça enterrar
propostas muito menos amplas que a reforma da Previdência – como a MP que
atrasa os reajustes salariais dos funcionários da União.
Se não houver reforma alguma, teremos de refazer as contas.
O déficit do INSS deve chegar aos R$ 200 bilhões no ano que vem. O do RPPS deve
chegar a R$ 77 bilhões. Com o envelhecimento da população e a previsão de
crescimento apenas mediano da economia, a política fiscal do Brasil estará comprometida
e o setor público perderá de vez sua capacidade de investir. Com o tempo,
outras áreas sociais perderão recursos para a Previdência. Ajustes de curto
prazo, como a revisão de benefícios e regras mais rígidas para a concessão de
pensões, por exemplo, poderiam reduzir a dor nos próximos dois ou três anos.
Mas não resolveriam o longo prazo. A reforma, mais dura que agora, ficaria para
o próximo governo.
Fonte: Gazeta do Povo