BSPF - 10/12/2017
Caso o governo federal consiga aprovar a reforma da
Previdência, o problema fiscal vai continuar porque o regime dos servidores tem
um déficit muito grande. A constatação é do economista Raul Velloso, PhD pela
Universidade de Yale, que participou de seminário em Florianópolis na última
semana. Ele falou também sobre a necessidade de mais investimentos em
infraestrutura.
O senhor acredita que o governo conseguirá aprovar a reforma
da Previdência?
Acho muito difícil. Pode ser até que saia um arremedo, mas a
reforma necessária não. Eu não vejo condições políticas, neste momento, à
medida que se aproxima a discussão eleitoral mais intensa se tratar de temas
tão polêmicos como essa reforma, que é focada na mudança de regras para o
conjunto dos possíveis aposentados pela frente. Pode até ser que aprovem com
muita alteração para suavizar completamente o impacto da resistência que os
parlamentares vão colocar para fazer isso na véspera das eleições.
O projeto resolve o problema fiscal brasileiro?
Se for aprovado, terá um grande impacto na questão da
Previdência. Mas daí a dizer que vai resolver, é outra história. Na realidade,
eu preferia, aliás essa tem sido a minha bandeira, que a reforma, ao invés de
ser de regras, fosse um movimento para zerar o passivo atuarial dos servidores.
Por que o passivo? Porque é a soma dos déficits atuariais dos servidores nos
próximos 70 anos. Por que dos servidores? Porque o déficit do regime específico
deles é muito grande. A Constituição, no seu artigo 40, manda zerar esse
déficit e ninguém faz isso há muito tempo. E depois é onde estão as maiores
aposentadorias, as aposentadorias especiais pouco justificáveis e onde estão os
grandes privilégios que, obviamente, a sociedade tem muita dificuldade em
conviver com isso. Seria esse, então, o movimento correto, a meu ver, no
momento político que vivemos, em que se clama por fim de privilégios, fim de
injustiça, enquanto uma reforma geral de regras vai pegar tanto quem ganha
menos quanto quem ganha mais. Por isso é natural a resistência da sociedade,
através dos parlamentares.
A idade mínima não é uma necessidade geral?
No caso dos servidores já existe. Ela foi aprovada na época
da reforma do Fernando Henrique. A dos servidores foi, mas a do INSS não foi
aprovada por um voto. Então, seria fazer isso para o INSS. A meu ver, nós
perdemos o momento para fazer uma reforma que pegue frontalmente o INSS porque
a pressão política é muito grande. Já teve um momento mais favorável.
O novo governo terá que fazer mais uma reforma no sistema de
aposentadorias?
Sim, o novo, o que virá depois e o que virá depois porque as
regras têm de ser alteradas o tempo todo conforme evolua a situação de
envelhecimento da população e outros fatores. Quando a população vai fortemente
ficando bem mais velha, você tem que mudar as regras para se adaptar às
mudanças demográficas. Se fosse o contrário, você relaxaria as regras. Mas o
que ocorre é que se a população ficar cada vez mais velha, o percentual de
idosos aumenta e as pressões financeiras também crescem. Por isso você tem que
estar sempre mudando. Tá difícil mudar agora, adia algumas coisas para frente e
faz o que dá para fazer hoje sem maior dificuldade que é o equacionamento da
Previdência dos servidores públicos.
As regras aos servidores federais passarão automaticamente
para Estados e municípios?
No Brasil é assim. Automaticamente os Estados e municípios
seguem o que ocorre em nível federal. Nossa federação não é de verdade, é quase
de mentirinha. Seis meses depois, eles poderão adotar as mudanças da união.
Como o senhor analisa a retomada do crescimento econômico do
país?
Nós estamos tendo uma retomada lenta do crescimento. O PIB,
que é o principal indicador de evolução de atividade econômica, mostra uma
retomada lenta e gradual. O que não está claro é que se num determinado momento
o investimento vai liderar esse processo de retomada. Até agora isto não
aconteceu. É o consumo que está liderando. Seria ideal que o investimento
liderasse porque ele tem subprodutos bons para a economia porque ele expande a
capacidade de produção, cria a condição de a economia crescer mais lá na
frente. Mas, se não for pelo investimento, que seja pelo consumo porque a
prioridade número um agora é fazer a economia crescer, se recuperar de forma
mais rápida do que está se recuperando.
No PIB do terceiro trimestre, o investimento voltou a
cresce...
Cresceu, mas se você olhar, dependendo do indicador que você
usa, ainda está no negativo. Significa que é preciso que haja mais ímpeto. É
preciso que coisas que reduzam as incertezas se acentuem para que o investidor
fique mais corajoso.
Os investidores estariam esperando a reforma?
É um fator que pesa, até porque foi vendido assim pelo
governo. A reforma da Previdência foi vendida como sendo a solução da maioria
dos problemas. Aí se você investe e vê que a reforma da Previdência não é
aprovada, certamente vai pensar duas vezes para tomar uma decisão de prazo mais
longo porque essa virou a bola da vez do investimento no país.
O senhor é um grande defensor de investimentos em
infraestrutura. Como avalia as atuais regras para isso?
Eu falo muito do investimento em infraestrutura porque ele
tem um poder duplo na recuperação da economia. Ele traz junto a produtividade.
Ele expande a capacidade da produção e aumenta a produtividade da economia, por
isso é importante. Segundo, nós temos uma coisa meio esquizofrênica no Brasil
porque por mais que a gente saiba que não há dinheiro público para investir, o
governo não procura uma situação favorável para atrair investidor privado. As
regras, os sistemas, agem, infelizmente, no sentido oposto.
Por Estela Benetti
Fonte: Zero Hora