Correio Braziliense
- 11/03/2018
União paga fatura bilionária em salários a servidores de
órgãos que deixaram de existir há muito tempo, como Sudam, Sudene e Fundação
Roquete Pinto, e a funcionários de ex-territórios federais. Até empresas
desativadas ainda geram despesas
A estabilidade do funcionalismo é boa para os servidores,
que não precisam temer demissões, mas esse privilégio vem contribuindo para
aumentar cada vez mais o rombo nas contas públicas. O contribuinte não sabe,
mas vários órgãos extintos pelo governo federal ainda geram despesa anual de R$
6,4 bilhões para a União. O montante é usado para pagar as remunerações de
70.530 servidores civis e militares, aposentados, pensionistas e anistiados
políticos, provenientes de órgãos públicos e territórios federais que não
existem mais, mas que, por determinação legal, continuam onerando o Tesouro.
Os dados são do Departamento de Órgãos Extintos (Depex),
ligado ao Ministério do Planejamento, que é responsável por administrar essa
despesa bilionária. Vale lembrar que, em janeiro, havia 633 mil servidores
civis do Executivo federal na ativa, ou seja, o contingente dos órgãos extintos
é superior a 10% desse total. De acordo com o Depex, a fatura salarial dos
integrantes desse grupo é de quase R$ 500 milhões por mês.
Em dezembro passado, por exemplo, a União desembolsou R$ 492
milhões para pagar esses servidores, sendo R$ 39,4 milhões para os funcionários
de órgãos fechados há muito tempo, como a Fundação Roquete Pinto, a
Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), a Superintendência de
Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) e as delegacias regionais e estaduais do
Ministério da Educação (Demec). Outros R$ 452,6 milhões foram destinados à
remuneração de servidores dos ex-territórios do Acre, de Rondônia, de Fernando
de Noronha, do Amapá e de Roraima, além do antigo Distrito Federal, no Rio de Janeiro.
Patrimonialismo
"O serviço público é muito bom para criar coisas, mas,
quando "descria", é um grande problema, porque deixa um monte de
coisas sem resolver", afirma o secretário de Gestão de Pessoas do
Planejamento, Augusto Akira Chiba. "O governo tem uma peculiaridade. O
órgão é extinto, mas a despesa não acaba, porque há carreiras formadas por
concursados, que não podem ser demitidos", acrescenta.
Segundo ele, o Depex ainda é responsável por complementar as
aposentadorias e pensões dos ex-funcionários da Rede Ferroviária Federal
(RFFSA) no montante que supera o valor máximo pago pela Previdência Social.
Esse custo foi de R$ 153,2 milhões apenas em janeiro deste ano.
"Na administração pública do Brasil existe uma cultura
patrimonialista, que vai concedendo benesses ao longo do tempo, e a soma disso
tudo explica por que vivemos com deficits assustadores", critica o
especialista em contas públicas José Matias-Pereira, professor da Universidade
de Brasília (UnB), lembrando que, desde 2014, o governo não consegue registrar
superavit nas contas federais.
Para Augusto Chiba, outro problema é que grande parte dos
servidores dos órgãos extintos pertence a carreiras muito específicas, como a
de operador de videotape, algo que não existe mais. "Nesse caso, fica
difícil realocar os indivíduos em outros órgãos sem caracterizar desvio de
função", observa. Para evitar esse tipo de conflito jurídico, o governo
passou a elaborar concursos públicos para cargos com funções mais flexíveis e
amplas, como técnico administrativo. No ano passado, o Executivo encaminhou ao
Congresso projeto de lei para reformular e modernizar as carreiras, mas o
secretário avalia que a proposta não vai acabar com o ônus provocado pela
estabilidade. "Os cargos são extintos, mas o servidor não sai. A sociedade
tem que pensar sobre esse problema", ressalta.
Convênios
O Depex também está mapeando 98 mil contratos e convênios
firmados com governos estaduais e prefeituras por órgãos extintos no governo de
Fernando Collor de Mello, como o Ministério do Bem-Estar Social e antecessores,
o da Integração Regional e a Fundação Legião Brasileira de Assistência (LBA).
"Às vezes, encontramos processos em que a prefeitura não deu a
contrapartida que deveria. E há casos em que os recursos foram enviados, mas
nada foi feito", revela.
Os gastos com servidores de órgãos extintos são apenas a
ponta do iceberg das despesas com pessoal, que crescem em ritmo acelerado. Em
2017, o governo federal gastou R$ 284 bilhões com a folha salarial, valor 10,2%
maior que o de 2016, em termos nominais. Só que a inflação do período foi de
apenas 2,95%, ou seja, houve aumento real. "As despesas com pessoal
cresceram em ritmo mais forte nos últimos anos devido aos reajustes salariais
concedidos erroneamente pelo governo, que agora tenta revertê-los, mas não
consegue", destaca Gil Castello Branco, secretário-geral da ONG Contas
Abertas. Para ele, a discussão sobre o tamanho do Estado passa por uma revisão
dessas despesas.
Imbróglio
Os gastos podem aumentar ainda mais devido à Emenda
Constitucional nº 98. Promulgada pelo Congresso em dezembro. Ela permite que as
pessoas que tenham mantido qualquer relação de trabalho com os ex-territórios
de Roraima e do Amapá, os últimos transformados em estados, sejam integradas
aos quadros da União. A expectativa é de que cerca de 30 mil pessoas entrem com
processos no Planejamento e que 20% delas, ou seja, seis mil, consigam a
integração.
Para Matias-Pereira, a emenda reflete um problema
recorrente: o Legislativo cria despesas para o Executivo sem que haja previsão
de receitas. "Não existe almoço grátis. O governo, até agora, tem se
endividado para pagar gastos correntes, mas isso tem limite, e ele está perto.
Chegará uma hora em que a União não terá mais dinheiro para pagar salários nem
aposentadorias", alerta.
Por Rosana Hessel