Correio Braziliense
- 14/04/2018
Cerca de 80% do funcionalismo não devem ter correção
salarial no próximo ano. Projeto da LDO prevê apenas os aumentos acertados com
os "sangues azuis", integrantes de carreiras de Estado, como
auditores da Receita e funcionários do Banco Central
Os servidores das carreiras do Plano Geral de Cargos do
Poder Executivo (PGPE) e a carreira da Previdência, Saúde e Trabalho (PST),
planos especiais, entre outros, que compõem o chamado "carreirão",
ficarão sem reajuste salarial em 2019. De acordo com o Ministério do
Planejamento, não está previsto aumento no próximo ano.
O Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2019,
enviado ontem ao Congresso Nacional, prevê reajustes apenas para a elite do
funcionalismo do Executivo - as carreiras de Estado, cujos integrantes foram
chamados de "sangues azuis" por membros do governo da ex-presidente
Dilma Rousseff. Entre os agraciados estão auditores da Receita Federal,
funcionários do Banco Central e da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e
analistas do Tesouro Nacional.
As duas categorias do funcionalismo que podem ficar sem
reajuste em 2019 obtiveram correções salariais em plena recessão, quando parte
expressiva dos brasileiros perdia seus empregos. Em 2015, na gestão Dilma, os
representantes sindicais do carreirão e de funcionários de agências reguladoras
acertaram um aumento de 10,8% em duas parcelas: uma em agosto de 2016 e outra
em janeiro de 2017.
Já o acordo firmado com os servidores das carreiras de
Estado ocorreu em 2016, durante o governo de Michel Temer e garantiu um
reajuste de 27,9%, escalonado em quatro anos até 2019. Esse grupo é composto
por 253 mil servidores ativos e inativos do funcionalismo civil, com
rendimentos bem acima da maioria. Os funcionários do carreirão representam 80%
dos 1,2 milhão de funcionários e ganham até R$ 7 mil no fim de carreira.
Para o ano que vem, de acordo com Planejamento, o reajuste
dos servidores das carreiras de Estado ficará entre 4,5% e 6,3%, taxas acima da
inflação de 3,6% prevista no PLDO. Isso garantirá ganho real nos contracheques
desse pessoal, enquanto a maioria dos trabalhadores do setor privado mal
consegue repor a defasagem do custo de vida nas negociações com os
empregadores. A correção das carreiras de Estado neste ano ficou entre 4,75% e
6,65%, também acima da inflação de 2017, que ficou perto de 3%.
Preocupação
Os salários, ao lado dos benefícios previdenciários, são os
itens que mais têm pesado nas contas públicas, que estão no vermelho desde
2014. O reajuste dos 253 mil servidores das carreiras de Estado terá peso
relevante no aumento previsto de R$ 19,4 bilhões nas despesas com pessoal em
2019, que atingirão R$ 322 bilhões, segundo o PLDO.
Os gastos com a folha devem crescer 6,2%, taxa acima da
inflação projetada e do aumento da receita líquida, que não deverá passar de
4,9%, de acordo com as estimativas do governo. "A conta não fecha, o que é
preocupante, porque o governo tem cada vez menos espaço para cortes de gastos.
Se as autoridades não fizerem nada para conter esses aumentos, assim como reduzir
os benefícios fiscais, mais cedo ou mais tarde será necessário começar a
demitir pessoal", alertou a economista Selene Peres Nunes, uma das autoras
da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
O governo tentou, por meio de uma medida provisória, adiar
os aumentos, mas não teve sucesso. Uma liminar do ministro Ricardo Lewandowski,
do Supremo Tribunal Federal (STF) acabou mantendo a correção dos salários neste
ano. Os reajustes vêm sendo pagos por força dessa liminar e a situação jurídica
está a cargo da Advocacia-Geral da União (AGU). Ao que tudo indica, o governo
desistiu de recorrer contra a decisão de Lewandowski. Na segunda-feira, o
ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, receberá em seu gabinete a ministra-chefe
da AGU, Grace Mendonça, e o assunto, provavelmente, estará na pauta do
encontro.
Diante da insatisfação por ficarem à margem dos reajustes
neste ano e no próximo, os servidores do "carreirão" farão
assembleia-geral entre 4 e 6 de maio com o objetivo de discutir as estratégias
para recompor as perdas - e não descartam greve. "Não vamos levar essa
mercadoria de graça para casa", destacou Sérgio Ronaldo da Silva,
coordenador-geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores no Serviço Público
Federal (Condsef).
As categorias associadas à Condsef prometem muita pressão
sobre o governo e o Congresso para conseguir, de imediato, reposição
inflacionária de 25,63%, referente ao período de 2010 a 2018. "Faremos
mobilizações ou paralisação de atividades em todo o país. Não vamos permitir
que um mesmo patrão trate iguais de forma diferente", reforçou Silva,
acrescentando que, nos últimos dois anos, o "carreirão" foi
"desprezado pelo governo".
A movimentação preocupa técnicos do governo, que já
apresentaram um quadro nada animador para as contas públicas no PLDO de 2019,
com uma meta fiscal de deficit de R$ 139 bilhões. Segundo eles, a fatura
líquida para igualar o "carreirão" à elite do funcionalismo é de, no
mínimo R$ 13,3 bilhões, podendo ultrapassar os R$ 16 bilhões.
MP que atrasa aumentos caduca
Os servidores públicos federais podem respirar aliviados. A
Medida Provisória 805/2017 que postergava os reajustes salariais de janeiro de
2018 para 2019 e elevava a contribuição previdenciária do funcionalismo de 11%
para 14% - suspensa por liminar do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF)
Ricardo Levandowski - caducou em 8 de abril. Com a extinção da MP, o governo
deixa de economizar R$ 7,5 bilhões. Para especialistas, o governo não lutou
como deveria pela aprovação da medida. Ao atender à Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI) ajuizada pelo PSol e suspender a MP, Lewandowski
determinou que a questão fosse analisada pelo plenário da Corte, o que não
ocorreu até a medida caducar.
Por Rosana Hessel e Vera Batista