Correio Braziliense
- 19/08/2018
Programa IMP de aprimoramento é ministrado, também, a
trabalhadores sem vínculo com o serviço público e promove viagem ao exterior
para os melhores colocados. Especialistas questionam uso de recursos neste
momento e apontam irregularidade
No momento em que os gastos com a educação são questionados
no país, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) investe R$ 1,7
milhão no Innovation Management Professional (IMP), programa de aprimoramento
para os funcionários do próprio órgão. Dentro do projeto de capacitação, o IMP
levará 29 servidores concursados e um comissionado a Stuttgart, na Alemanha.
Segundo especialistas, propostas que incentivam à inovação no serviço público
são bem-vindas, mas é preciso ter bom senso para executá-las, principalmente em
momento de crise fiscal.
Além do custo, fonte do próprio órgão alerta que recursos
públicos estão sendo usados com aulas e cursos para pessoas que não deveriam
ser beneficiadas, pois não fazem parte do quadro do FNDE. O Correio teve acesso
à lista de trabalhadores que participarão das chamadas “trilha de capacitação”,
do IMP. Alguns nomes não têm vínculo com o Fundo, são terceirizados, segundo
informações obtidas no Portal da Transparência do governo federal.
O FNDE explicou que não há pagamento para a participação de
colaboradores e, como o curso é ministrado no prédio do órgão e o espaço físico
comporta mais de 80 pessoas, “a empresa contratada não se opôs à possibilidade
de outros colaboradores acompanharem e aprendessem juntos”.
Uma fonte do FNDE contesta. “Estranho que a empresa ofereça
curso para 30 pessoas por um valor e aceite, graciosamente, 80 na turma. E se
esses colaboradores participam e assinam a lista de presença — podem ser
dispensadas para isso — é sinal de que não há atividade para elas”, afirma.
Na prática, a despesa para aprimoramento é muito elevada e
só poderia beneficiar concursados. Segundo o FNDE, o Innovation Management
Professional é dividido em 12 módulos. “O programa busca, por meio da
capacitação dos servidores, com foco em pesquisa aplicada, produzir inovação e
resultados no cumprimento do papel institucional da autarquia, gerando
benefícios à sociedade e, principalmente, otimização dos recursos públicos”,
defende, em nota.
No quinto módulo, 30 projetos foram selecionados para serem
apresentados na Alemanha. O órgão explica que cada participante é aprovado em
processo seletivo aberto a todos os servidores, com iniciativas que visam o
desenvolvimento de ideias de vanguarda para a educação. Só nesta viagem, serão
gastos R$ 651 mil — média de R$ 21,7 mil por pessoa. José Matias-Pereira,
professor de administração pública da Universidade de Brasília (UnB), diz que
os gastos preocupam.
Segundo o especialista, propostas para melhorar o desempenho
dos servidores são benéficas à sociedade, mas que é preciso observar os abusos.
“O que chama atenção é que o governo afirma que é preciso apertar o cinto e ter
austeridade fiscal. O custo é elevado e não há necessidade de levar 30 pessoas
para fora do país, talvez os cinco melhores. Eu acho que falta, também,
transparências nas informações. Estamos vivendo um momento diferenciado”,
alega.
A situação é agravada pelo fato de o FNDE enviar um
funcionário comissionado para a Alemanha. De acordo com especialistas, isso não
é permitido, porque o dinheiro público não pode ser usado para melhorar o
desempenho profissional de colaboradores, que podem sair do órgão a qualquer
momento, inclusive por motivos políticos. A justificativa da instituição é de
que o colaborador tem 12 anos de casa.
O advogado Max Kolbe refuta a resposta. “Não me interessa e
aos brasileiros se ele tem um, 12 ou 50 anos no órgão. Até porque cargos
comissionados é para a direção, chefia e assessoramento de gestores nomeados
para adotar as políticas do órgão. Não é um emprego fixo”, diz. “A capacitação
para servidores é bem-vinda, mas comissionados e terceirizados não podem se beneficiar
com isso”, completa.
Kolbe foi ainda mais enfático. “Capacitar com dinheiro
público pessoas que não deveriam é uma prática que fere os princípios da
moralidade e da eficiência, que consta na Lei de Improbidade Administrativa”,
afirma. O especialista ressalta que o processo de capacitação poderia ser feito
de forma mais barata no Brasil, incluindo a vinda dos palestrantes alemães.
Uso de recurso questionado
Nos últimos dias, o governo federal foi fortemente criticado
pelos baixos recursos para educação. A Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior (Capes) alertou que mais de 200 mil bolsas de
graduação, pós-graduação e iniciação científica poderiam ser cortadas no
primeiro semestre de 2019 por conta do arrocho fiscal. A Câmara dos Deputados
convocou uma audiência pública com o ministro do Planejamento, Esteves Colnago,
para tratar dos problemas orçamentários.
O advogado James Siqueira, do escritório Augusto Siqueira,
explica que é contraditório o país ter um deficit fiscal de R$ 150 bilhões,
faltando dinheiro para várias áreas enquanto o Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educação (FNDE) gasta R$ 1,7 milhão para capacitar cerca de
30 funcionários da casa, incluindo terceirizados e comissionados. “A
administração pública não pode dar tratamento igual a desiguais. Quando a
pessoa é terceirizada, presume-se que ela já tenha as atribuições, sem a
necessidade de capacitação, ainda mais com recursos públicos”, afirma.
No próprio FNDE, existem divergências sobre os projetos de
inovação. Segundo uma fonte do Fundo, “são projetos que já foram implementados
em outros órgãos e que são compartilhados”. “Esse investimento altíssimo, não
tem respaldo para ser internalizado em um órgão cuja gestão mudará (por conta
do novo governo)”, acrescenta.
Em resposta, o FNDE explica que o conceito de inovação é
diferente do de criação. “O FNDE não está criando algo novo com os projetos do
IMP e, sim, buscando, por meio de seus servidores, metodologias e processos que
visam desenvolver e internalizar ferramentas de gestão, e customizando-as à
realidade da instituição. Cada um dos projetos, mesmo aqueles que se baseiam em
práticas e/ou sistemas de outros órgãos, levam em consideração todas as nuances
e desafios para a aplicação na instituição”, afirma, em nota. Questionado, o
Ministério da Educação não respondeu.
Segundo o Fundo, “o mais importante é a expertise e
tecnologia no desenvolvimento de projetos com foco em inovação e seus
resultados, que permanecem na instituição, o que provoca mudança de desempenho dos
servidores”.
O IMP tem carga horária de 960 horas, sendo 360 horas
presenciais, e duração aproximada de 12 meses. São aulas expositivas,
workshops, desenvolvimento em laboratório de serviços e sessões práticas.
Por Hamilton Ferrari