Diario de Pernambuco - 24/08/2018
A contradição não poderia ser mais escandalosa nem mais
brutal: enquanto o Executivo quer congelar o reajuste dos seus servidores, o
Judiciário reclama, para si mesmo, um aumento de 16%... Esse pleito põe a nu
uma das maiores deficiências da Constituição brasileira: a desigualdade
profunda entre os poderes. É muito cômodo para um Poder, que não tem
responsabilidade para gerir as finanças públicas, definir reajustes para si
mesmo - como está fazendo o Judiciário, e certamente o Legislativo imitará. Em
decorrência desse autoaumento do Judiciário, o Ministério Público faz o mesmo,
e todo um efeito cascata se estabelece, atingindo os Judiciários e os
Ministérios Públicos estaduais. Há algo de cínico na alegação de que,
prometendo fazer revisões nas rubricas dentro do próprio orçamento, reajustes
assim não afetam o orçamento geral do País.
Se assim for, a única conclusão óbvia é que esses orçamentos
estão hiperdimensionados, preveem valores além das necessidades reais do Poder
- a ponto de poderem algumas verbas ser assim suprimidas. Pior ainda é a
alegação perversa de que o Judiciário pode ter esse aumento por conta dos altos
valores que, com suas sentenças, fez retornarem aos cofres do Estado - o que
converteria os juízes não em servidores, mas em sócios da nação. O que seria,
ao cabo, da realização da justiça se os juízes tivessem participação no
resultado de suas sentenças? Como se poderia acreditar na imparcialidade e na
isenção delas? Como se poderia respeitá-las? Na outra ponta da contradição, o
Executivo - por conta das óbvias dificuldades financeiras nacionais, a que os
dois outros poderes se mostram absolutamente insensíveis - quer congelar
reajustes dos funcionários federais.
O que é clarissimamente inconstitucional. É determinação
literal do art. 37, X. Dispondo regras para a remuneração dos servidores,
acrescenta este inciso que é "assegurada revisão geral anual".
Portanto, a cada ano, tem de ser feita uma revisão salarial. Como se pode, sem
reforma constitucional, não proceder anualmente a algum reajuste? Governo que
não fizer, num ano, revisão salarial para os servidores, claramente descumpre a
Constituição, comete crime de responsabilidade e deve sofrer impeachment.
Tudo seria facilmente
resolvido se se incluísse na Constituição a regra que obviamente falta: a de
que reajuste salarial por conta de inflação, portanto para recuperação do poder
aquisitivo da moeda, tem, além de anual, de ser igual para todos. Se a razão é
a mesma, a saber, as perdas inflacionárias, se o nível da inflação não foi
diferente para os diversos poderes, é mais do que evidente que reajustes, com
essa fundamentação (não para corrigir eventuais distorções remuneratórias), têm
de ser um só.
Não há a mais mínima razão para se adotarem reajustes diferenciados, cada Poder definindo o seu, como a Constituição lamentavelmente autoriza. Esta, a única origem da confusão atual, que seria facilmente resolvida por uma boa Emenda Constitucional. Que, além de tudo, teria o mérito de poupar o Judiciário do vexame pelo qual está passando.
Não há a mais mínima razão para se adotarem reajustes diferenciados, cada Poder definindo o seu, como a Constituição lamentavelmente autoriza. Esta, a única origem da confusão atual, que seria facilmente resolvida por uma boa Emenda Constitucional. Que, além de tudo, teria o mérito de poupar o Judiciário do vexame pelo qual está passando.
Por José Luiz Delgado Professor de Direito da UFPE