Portal Fator Brasil
- 18/09/2018
Recentemente, o Ministério do Planejamento editou a
Instrução Normativa nº 2/2018, que tem por escopo regulamentar questões
atinentes à jornada de trabalho dos servidores públicos e seu controle, a
possibilidade de compensação de horário e a instituição de banco de horas no
serviço público federal.
Uma vez que a instrução trata de três grandes temas, cada um
deles será abordado de forma estratificada. O primeiro é a questão relacionada
à jornada de trabalho. A instrução reforça a jornada mínima de 6 (seis) horas
diárias, sendo o máximo de 8 (oito) horas, sendo consideradas como jornada
regular as viagens a serviço. Ademais, estabelece o intervalo para refeições,
sendo vedado o seu fracionamento.
A nova norma aponta, em seu artigo 7º, o controle de
frequência para todos os servidores. Sucede que o artigo 8º impõe quais
servidores serão dispensados do controle eletrônico. Destaca-se, nesse
particular, o inciso IV do Instrução Normativa, que dispensa Professor da
Carreira de Magistério Superior do Plano Único de Classificação e Retribuição
de Cargos e Empregos.
Com efeito, urge destacar que os Docentes regidos pela Lei
12.772/12 não são apenas aqueles vinculados ao Ensino Superior. Há também os
Docentes do Grupo EBTT (Ensino Básico, Técnico e Tecnológico), que também
desenvolvem funções idênticas, inclusive quanto à extensão e pesquisa. Nesse
sentido, a própria AGU já se manifestou, por meio de parecer (6282/2012), que
os docentes não estão sujeitos a registro de ponto.
Atente-se para o fato de que não está a se falar em eventual
benefício ao servidor, mas sim a contingência da atividade realizada. Por
certo, a instrução normativa deve ser analisada, nesse aspecto, de acordo com o
princípio da isonomia, razão pela qual se a atividade exercida não revela
peculiaridades, o controle de ponto é a regra geral. Assim, a exclusão dos
Docentes do Grupo EBTT da exceção da instrução não nos parece conveniente e nem
legal.
Quanto à compensação de horário, cumpre destacar que a
Constituição, em seu artigo 39, estabelece que se aplica aos servidores
públicos o disposto no artigo 7º, XIII, ou seja, a possibilidade de compensação
de horários. Sucede que não há regulamentação legal específica para tanto. A lei
8.112/90, em diversos artigos, estabelece a possibilidade de compensação de
horário, sem, contudo, adentrar nas minúcias de procedimento de compensação de
horário.
Por exemplo, o artigo 44, que trata da perda de remuneração,
proporcional ao atraso, exceto em casos de compensação de horário, até o mês
subsequente ao da ocorrência:
“Art. 44. O servidor perderá: II - A parcela de remuneração
diária, proporcional aos atrasos, ausências justificadas, ressalvadas as
concessões de que trata o art. 97, e saídas antecipadas, salvo na hipótese de
compensação de horário, até o mês subsequente ao da ocorrência, a ser
estabelecida pela chefia imediata”.
A referida compensação ficaria a cargo de acordo entre
chefia e servidor, o que não qualquer garantia ou suporte à referida medida, a
ensejar em notória insegurança jurídica. A instrução normativa, nesse
particular, busca estabelecer hipóteses para compensação, fixando prazo para ajuste
das horas – mês subsequente ao da sua ocorrência, bem como o limite diário para
tanto (2 horas).
Há também específica regulamentação quanto à dispensa de
compensação, quando do comparecimento do servidor, de seu dependente ou
familiar às consultas médicas, odontológicas e a realização de exames em
estabelecimentos de saúde, à luz do artigo 7º do Decreto 1.590/95.
Nesse mesmo sentido, a Instrução busca estabelecer regras
para o Banco de Horas. Em tese, não parece existir um permissivo legal para a existência
de tal modalidade no serviço público. Isso pelo fato de quem nem a Constituição
nem a Lei 8.112/90 estabelecem, em suas regras aplicáveis ao servidor, a
existência de um banco de horas. Ao que parece, há uma tentativa de se
extinguir o pagamento da hora extraordinária, à luz do artigo 73 da lei
8.112/90, e que encontra eco no artigo 7º, XVI, da Constituição Federal.
Com efeito, as horas excedentes que não tenham sido
compensadas não poderão ser remuneradas como hora extraordinária. E nem há um
prazo especificado na Instrução para que o servidor saiba, de antemão, até
quando pode utilizar o saldo positivo de seu Banco de Horas.
A conclusão lógica que se extrai é de que há uma violação
direta ao artigo 73 da Lei 8.112/90, que trata das horas extraordinárias e
mais, um locupletamento ilícito da Administração, que lança mão da força de
trabalho do servidor e não o remunera da forma estabelecida em lei.
Em que pese existir um limitador de horas no Banco, certo é
que a sua não conversão em hora extraordinária leva à conclusão de que a sua
instituição serve para burlar o regramento legal. Assim, caso se considere
válida a existência de um banco de horas, não há a apresentação de um fator de
discriminação específica sobre o porquê da impossibilidade de banco de horas
para jornadas reduzidas.
A mesma situação ocorre na suposta regulamentação do
sobreaviso. Com efeito, o sobreaviso, em interpretação analógica da legislação
trabalhista, deveria ser entendido como hora de trabalho, à disposição,
inclusive com remuneração diferenciada. Contudo, a suposta possibilidade de
compensação acaba por retirar essa característica do sobreaviso, à luz do
artigo 244, § 2º, da CLT.
Tal medida vai de encontro ao que concluiu o Tribunal de
Contas da União, no bojo do acórdão nº 784/2016, do Plenário, da Relatoria do
Ministro Vital do Rêgo, cuja orientação é no sentido de que o servidor pode
submeter-se ao regime de sobreaviso, sendo possível a aplicação analógica da
CLT e a remuneração como serviço extraordinário, quando excederem a jornada
normal.
Vale destacar que a instrução reviveu alguns aspectos da
Medida Provisória nº 792/2017, que não foi convertida em lei. A medida tratava
do Plano de Demissão Voluntária de Servidores e trazia em seu bojo a
possibilidade jornada reduzida. Novamente é de se explicitar que, quanto à
redução de jornada, há uma suposta incompatibilidade com a necessidade do
serviço.
Contudo, por se trata de discussão de âmbito estritamente
administrativo, a questão que se revela tormentosa é a impossibilidade de
redução de jornada, com remuneração proporcional, de alguns cargos, listados no
§ 1º, do artigo 20 da Instrução. Não há justificativa, dentro da própria norma,
a impedir a concessão desse direito àqueles servidores, o que torna a norma
desmotivada e desconectada do artigo do regramento legal aplicado (artigos 2º e
50 da Lei 9.784/99).
Trata-se de uma análise preliminar. Certo que a discussão
ainda se estenderá. No entanto, a presente manifestação serve para apontar
alguns equívocos trazidos na própria norma e que têm potencial lesivo aos
servidores.
Por Adovaldo Medeiros Filho, sócio e integrante do Grupo de
Pesquisa de Servidor Público do escritório Mauro Menezes & Advogados.