Metrópoles - 21/09/2018
Renato de Ávila Viana estava alocado em seção conhecida como
“depósito” de servidores e acumulava ausências injustificadas
Também contou para a demissão do diplomata brasileiro Renato
de Ávila Viana, preso após ser acusado de ter agredido uma mulher, a quantidade
de faltas ao expediente no Ministério das Relações Exteriores (MRE). De acordo
com registros de ausências injustificadas, constantes em investigação interna
do órgão, ele deixou de comparecer ao Itamaraty, por exemplo, 18 dias durante o
mês de março, quando deveria cumprir suas atividades de trabalho.
Com base em informações do documento sigiloso, Viana também
faltou por 16 dias em abril e outros 15 em maio. O pedido de afastamento do
diplomata foi feito pela comissão do ministério, que investigou a conduta do
funcionário público acusado de ter espancado a ex-namorada. O processo
administrativo disciplinar (PAD) foi aberto após denúncias da mulher. De acordo
com a ação judicial, Renato de Ávila Viana arrancou o dente da companheira com
uma cabeçada.
Conforme publicado no Diário Oficial da União (DOU), o
servidor foi demitido por ter cometido improbidade administrativa, contrariando
os princípios da administração pública, e não ter observado o conjunto de
deveres, atribuições e responsabilidades necessário tanto no exercício de suas
funções quanto em sua conduta pessoal na vida privada, como manter um
comportamento correto e decoroso e dar conhecimento à autoridade superior de
qualquer fato relativo à sua vida pessoal que possa afetar o interesse
profissional. Procurado, o Ministério das Relações Exteriores informou que não
comentará o assunto.
Após passar pelas mãos do ministro à frente da pasta,
Aloysio Nunes, o pedido de demissão foi acatado. A decisão foi publicada no
Diário Oficial da União (DOU) dessa quinta-feira (20/9). Ele ocupava o posto de
primeiro-secretário, mas vinha perdendo cargos de confiança no Itamaraty e
tinha sido alocado, por fim, em uma seção conhecida como “depósito” de
servidores, o Departamento de Assistência Administrativa e Operacional (Gaoa).
A presidente da Associação dos Diplomatas do Brasil, Vitoria
Cleaver, já havia pedido anteriormente mais celeridade na apuração dos fatos e
“aplicação urgente de medidas cabíveis ao caso”. A entidade também “manifestou
preocupação junto à alta esfera do Ministério das Relações Exteriores (MRE) diante
dos atos de agressão repetidamente praticados pelo diplomata Renato de Ávila
Viana”.
Prisão
Nessa quarta (19), Renato foi detido após vizinhos ouvirem
gritos de socorro da atual namorada dele em um apartamento na 304 Norte. De
acordo com os policiais, a vítima apresentava vários ferimentos nos braços.
Autuado por dano ao patrimônio, desacato, lesão corporal e violência doméstica,
Viana foi liberado horas depois de ser levado para a 5ª Delegacia de Polícia
(área central). Ele pagou cerca de R$ 1 mil de fiança.
O Metrópoles apurou que Renato teria tido um ataque de
ciúmes por causa de mensagens e ligações que estavam no celular da namorada.
Ele teria jogado o aparelho no chão, agarrado a vítima pelos braços e sacudido
a moça. Em seguida, ela teria se debruçado na janela e gritado por socorro.
Quando chegarem ao apartamento, os policiais teriam sido
recebidos com xingamentos. Entres eles, “safados” e “vagabundos”. Como nem o
diplomata nem a namorada abriram a porta, os PMs arrombaram o lugar com um
pontapé.
Denúncias
O passado do servidor público é marcado por denúncias de
crimes. Ele já respondeu a três PADs na Corregedoria do Serviço Exterior do
MRE, após registros de ataques a duas mulheres em outros países e a mais duas
no Brasil. Em território estrangeiro, Renato Viana desfrutou da imunidade
diplomática: as autoridades locais não puderam investigá-lo, precisando
recorrer ao Itamaraty.
Em 2002, investigou-se agressão do homem a uma
terceira-secretária do MRE. A ação terminou arquivada com apenas uma
observação: o diplomata deveria controlar suas emoções e impulsos. No ano
seguinte, Renato Viana se envolveu em agressão a uma namorada brasileira, de
quem levou uma facada durante briga em seu apartamento.
Outra sindicância, em 2006, apurou violência contra uma
cidadã paraguaia. Junta médica avaliou Viana e concluiu que, do ponto de vista
neurológico, ele estava apto para exercer suas funções. A punição foi somente
uma advertência.
“Evidenciou-se, ao exame psíquico, que o servidor apresenta
traços de personalidade denotando certa instabilidade emocional, com forte
investimento pessoal na área cognitiva, sem, contudo, configurar uma patologia
psíquica. Desta forma, as reações emocionais reveladas pelo servidor não chegam
a caracterizar, em termos psicopatológicos, alterações de comportamento significativas”,
diz o laudo.
Em 2015, a Embaixada do Brasil em Caracas encaminhou ao MRE
denúncia de uma venezuelana que alegava ter “sofrido ameaças, maltrato
psicológico e tentativa de sequestro por parte de Renato de Ávila Viana”, como
consta na sindicância à qual o Metrópoles teve acesso. A vítima enviou uma
cópia da medida cautelar expedida contra o diplomata pela Divisão de
Investigações e Proteção à Mulher da Venezuela.
Após a publicação desta matéria, o Sindicato Nacional dos
Servidores do Ministério das Relações Exteriores (Sinditamaraty) se manifestou
sobre o caso, por meio de nota. Confira a íntegra:
Nota à imprensa
Sobre o caso do diplomata Renato Ávila Viana:
O Sinditamaraty (Sindicato Nacional dos Servidores do
Ministério das Relações Exteriores) tem entre suas bandeiras a luta por um
ambiente laboral saudável, pautado pela igualdade e respeito, para todos as
servidoras e servidores do Ministério das Relações Exteriores (MRE). Essa
mudança que buscamos no âmbito do Itamaraty é a mesma que queremos para toda a
sociedade. Repudiamos a violência contra as mulheres, repudiamos toda e
qualquer forma de racismo, preconceito e discriminação.
Acompanhamos de perto e com preocupação o caso do diplomata
Renato Ávila Viana. Acreditamos que com esse episódio, o Itamaraty, finalmente,
entenda que a sociedade clama por respostas mais rápidas. Os processos precisam
caminhar com mais agilidade, claro, sempre respeitando o princípio do
contraditório e da ampla defesa.
Por fim, esperamos que as autoridades competentes, na esfera
criminal, tomem as medidas cabíveis com celeridade em relação às denúncias
contra o servidor demitido. É preciso dar uma resposta às vítimas. O caminho
para uma sociedade mais justa e igualitária passa pelo fim da impunidade,
independentemente do cargo, classe, gênero ou cor do agressor.
Por Ingred Suhet e Leilane Menezes