O Dia - 02/09/2018
Empresa de tecnologia do governo, segundo investigação do
Ministério Público, expõe dados sigilosos
Rio - Ligações, mensagens por e-mail, por SMS, carta e até
WhatsApp que oferecem facilidades e serviços têm atormentado aposentados e
funcionários públicos, que não sabem como seus dados foram parar nas mãos de
desconhecidos. Essa farra, inclusive, já está na mira do Ministério Público. Um
dos alvos, agora investigado pelo Ministério Público Federal (MPF), é o Serviço
Federal de Processamento de Dados (Serpro), empresa pública de tecnologia,
vinculada ao Ministério da Fazenda.
"Os golpistas se utilizam de informações adquiridas de
forma ilícita dos dados para entrar em contato com a pessoa oferecendo diversos
serviços e é nessa hora que o consumidor é enganado", adverte o
especialista em cibersegurança, Fábio Lutfi, da Qriar Cybersecurity.
De acordo com investigações do Ministério Público do
Distrito Federal e Territórios (MPDFT), o Serpro é apontado como responsável
por repassar à página Consulta Pública, que é do governo federal, a base de
dados da Receita. Segundo a denúncia, encaminhada por meio de dossiê, ao MPF
pelo promotor Frederico Meinberg Ceroy, a prática do Serpro de vender os dados
ocorre há muitos anos.
CONSTRUÇÃO DA PÁGINA
O que chamou a atenção do MPF foi a construção da página que
está "congelada" desde 7 de junho. "A estruturação do site foi
indicativo de que a base de dados usada tinha origem na administração
pública", informou Meinberg em ofício enviado ao MPF.
Procurado pelo DIA, o Serpro negou que forneça dados de
contribuintes para empresas privadas e que está colaborando com as investigações
do MP, que correm em sigilo de Justiça.
Por ser empresa pública ligada ao governo federal, o MPDFT
não pode analisar a legalidade da prática de extração de dados do Serpro e
remeteu o dossiê ao MPF. Mas já concluiu que a empresa de tecnologia vende as
informações.
A Comissão de Proteção dos Dados Pessoais do MPDFT,
coordenada por Meinberg, aponta que o repasse dos dados está em contratos
firmados com a Controladoria-Geral da União (R$ 997 mil), Conselho da Justiça
Federal (R$273 mil) e Conselho Nacional de Justiça (R$ 56 mil).
De acordo com o promotor, a empresa se aproveita do Decreto
8.789/2016, que trata do compartilhamento de bases de dados na administração
pública federal. Questionado, o Serpro rechaçou a acusação do MP e afirmou que
pode disponibilizar dados e informações à sociedade pela Portaria 457/2016, do
Ministério da Fazenda. Em nota, a empresa diz que "nunca teve contato ou
repassou conteúdo ao site Consulta Pública".
NA MÃO DO TELEMARKETING
O telefone toca insistentemente, a pessoa atende e do outro
lado da linha um serviço de telemarketing oferece nada mais nada menos que um
valor "autorizado e disponível" de crédito consignado. E isso ocorre
antes mesmo de o trabalhador que acabou de se aposentar ter recebido o benefício
pela primeira vez.
O desconhecido de posse de todos os dados, sabe, inclusive,
que a aposentadoria havia sido concedida pelo INSS e conhecia até o valor do
benefício.
"Dei entrada no pedido de aposentadoria pela internet.
E antes de ter a resposta do INSS já estavam ligando para minha casa",
conta Maria da Costa, que se aposentou em agosto deste ano. "Até para meus
parentes ligaram, recebo SMS, mensagem por WhatsApp. Como conseguiram essas
informações?", questiona.
Em dois anos, entre 2016 e 2017, o número de denúncias sobre
empréstimos irregulares na Ouvidoria do INSS chegou a 78.898. E isso acendeu a
luz vermelha no Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), que, a exemplo do
Serpro, entrou com questionamento sobre vazamento de dados de segurados no INSS
por causa das queixas e reclamações de consumidores de todo país que também
recebem as ligações. O Idec considera que a prática viola o sigilo de
informações dos segurados.
"Quando fizemos o questionamento, o INSS alegou que não
repassa informações, mas na prática o que vemos é que há vazamento. Em alguns
casos, o representante bancário avisa ao segurado que o pedido de aposentadoria
foi autorizado e diz o valor. O INSS diz que não compartilha as
informações", diz Ione Amorim, economista do Idec.
Os órgãos de defesa do consumidor explicam que é possível
recorrer à Justiça após as ligações, mas alertam que a responsabilidade sobre
os dados é do INSS e que o processo pode ser demorado.
O órgão reiterou que não fornece dados dos segurados sem
autorização e que estas são tratadas com total sigilo. Acrescentou ainda que
"se existe servidor fornecendo dados dos beneficiários ou oferecendo
empréstimos consignados, é de maneira ilegal".
Por Martha Imenes