G1 - 14/10/2018
Planejamento diz que divulgará atividades que poderão ser
terceirizadas na administração pública
Governo divulgou decreto que traz novas regras e permite
contratação de terceirizados por empresas públicas; para especialistas,
concursos serão afetados.
O Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão
divulgou novas regras para contratação de terceirizados na administração
pública. O decreto nº 9.507/2018 ampliou ainda as contratações indiretas para
as empresas públicas e sociedades de economia mista controladas pela União,
como o Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Petrobras, Correios e
Eletrobras. De acordo com o governo, as regras entrarão em vigor 120 dias.
As novas normas substituem o decreto nº 2.271/1997, que já
trazia a possibilidade de terceirização para as atividades de "caráter
acessório, instrumental ou complementar". No entanto, a nova
regulamentação publicada não trouxe as atividades que poderiam ser
terceirizadas especificadas na lei de 1997.
O decreto 2.271, que deixa de valer, trazia o seguinte
trecho: “As atividades de conservação, limpeza, segurança, vigilância,
transportes, informática, copeiragem, recepção, reprografia, telecomunicações e
manutenção de prédios, equipamentos e instalações serão, de preferência, objeto
de execução indireta”.
Questionado sobre os cargos que poderão ser atingidos pelo
novo decreto, o Ministério do Planejamento informou que divulgará um ato com a
lista das atividades que poderão ser terceirizadas. Segundo o órgão,
"serão sempre de caráter auxiliar, instrumental ou acessório, sem
responsabilidade sobre atos administrativos ou tomadas de decisão".
“É importante frisar que o decreto em questão tem como principais
objetivos estabelecer vedações à terceirização e padronizar os procedimentos de
contratação de serviços terceirizados no âmbito federal. Uma das principais
diretrizes do normativo é a premissa de que a administração pública federal
contrate serviços e não mão de obra”, ressaltou.
O ministério informou ainda que as regras em relação às
atividades que podem ser terceirizadas ou as que são vedadas já estavam
consolidadas por meio da Portaria nº 409, de 2016, que trata sobre as garantias
contratuais ao trabalhador na execução indireta de serviços e os limites à
terceirização de atividades.
No entanto, a portaria não contemplava as empresas públicas
e às sociedades de economia mista controladas pela União.
“O novo decreto não inova no ordenamento em relação a
práticas de terceirização em qualquer setor ou órgão dos serviços federais, ao
contrário, apenas uniformiza regras que já são praticadas pelos gestores de
compras”, explicou.
Questionado se o decreto poderia diminuir a abertura de
concursos públicos, o ministério respondeu que todos os órgãos e entidades já
podiam contratar serviços terceirizados, e o que o decreto muda é que agora existe
um padrão único para todo o Executivo Federal nessas contratações.
Segundo o Planejamento, “nada que esteja relacionado aos
planos de cargos dos órgãos e entidades poderá ser passível de terceirização,
salvo cargos extintos”.
No entanto, para advogados ouvidos pelo G1, o decreto
permite na prática a ampliação da terceirização no setor público e ameaça
consequentemente a investidura nos cargos e empregos públicos por meio dos
concursos, pois apresenta “conceitos vagos e imprecisos” (veja mais abaixo).
Vedações
A nova regulamentação, que mantém o que estava na portaria
nº 409, determina que não poderão ser terceirizadas as atividades que:
envolvam a tomada de decisão ou posicionamento institucional
nas áreas de planejamento, coordenação, supervisão e controle;
sejam considerados estratégicos para o órgão ou a entidade,
cuja terceirização possa colocar em risco o controle de processos e de conhecimentos
e tecnologias;
estejam relacionados ao poder de polícia, de regulação, de
outorga de serviços públicos e de aplicação de sanção;
sejam inerentes às categorias funcionais abrangidas pelo
plano de cargos do órgão ou da entidade, exceto disposição legal em contrário
ou quando se tratar de cargo extinto, total ou parcialmente, no âmbito do
quadro geral de pessoal.
Empresas públicas
Segundo o decreto, nas empresas públicas e nas sociedades de
economia mista controladas pela União, poderá haver terceirização nos planos de
cargos dos órgãos e entidades no caso de não se atingir “os princípios
administrativos da eficiência, da economicidade e da razoabilidade”. O decreto
cita como hipóteses para a contratação o caráter temporário do serviço, o
incremento temporário do volume de serviços, atualização de tecnologia que
tenha menos custo, seja mais segura ou menos prejudicial ao meio ambiente ou
impossibilidade de competir com a concorrência.
Esses empregados terceirizados atuarão somente no
desenvolvimento dos serviços contratados, segundo o decreto. O conselho de
administração ou órgão equivalente das empresas públicas e das sociedades de
economia mista estabelecerá o conjunto de atividades que serão passíveis de
terceirização na contratação dos serviços.
‘Decreto é inconstitucional’
Para o especialista em direito do trabalho e advogado do
escritório Mauro Menezes & Advogados, Rodrigo Torelly, o decreto é
inconstitucional, pois permite na prática a terceirização no setor público e
ameaça consequentemente a investidura nos cargos e empregos públicos por meio
dos concursos. “O decreto viola frontalmente o artigo 37, II, da Constituição
Federal, que prevê a exigência do concurso público para investidura em cargo ou
emprego público”, afirma.
De acordo com Torelly, o decreto ainda apresenta “conceitos
vagos e imprecisos”, que dão margem para uma ampliação desmedida dos serviços
que em tese podem ser terceirizados. “O concurso público é a ferramenta mais
adequada e democrática para o preenchimento de cargos, empregos e funções
públicas, afastando qualquer tipo de influência, apadrinhamento e perseguições.
Foi uma conquista obtida na Constituição de 1988”, defende.
Segundo ele, poderão ser contratados serviços terceirizados
em substituição ao trabalho de funcionários concursados nas empresas públicas
como a Caixa Econômica Federal.
Torelly lembra que o decreto 9.507 cita em seu início “o
disposto no § 7º do art. 10 do Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967”,
que diz o seguinte:
“Para melhor desincumbir-se das tarefas de planejamento,
coordenação, supervisão e controle e com o objetivo de impedir o crescimento
desmesurado da máquina administrativa, a administração procurará desobrigar-se
da realização material de tarefas executivas, recorrendo, sempre que possível,
à execução indireta, mediante contrato, desde que exista, na área, iniciativa
privada suficientemente desenvolvida e capacitada a desempenhar os encargos de
execução”.
Para o advogado Leandro Madureira, especialista em direito
público, a liberação da terceirização no serviço público permitirá que as
universidades federais, por exemplo, possam contratar funcionários
terceirizados para a execução de parte significativa de suas atividades.
“Também permite, por exemplo, que o INSS contrate
funcionários terceirizados para o atendimento ao público e análise prévia dos
atos de concessão de benefícios. Com a terceirização, a circunstância leva a
crer que o serviço público enfrentará um esvaziamento ainda maior na prestação
de qualidade. Se hoje a população apresenta queixas de acesso aos serviços e se
há um déficit no atendimento de seus anseios, a terceirização favorece ainda
mais a precarização dessa prestação”.
De acordo com Madureira, o serviço público corre perigo,
pois terceirização não é o caminho para o melhor atendimento da população,
tampouco para a seleção de funcionários.
“O sistema não é perfeito e há uma série de críticas que se
pode fazer aos processos de seleção por concurso e a prestação do serviço
público em si. Pelo contrário, com a terceirização abre-se a possibilidade de
contratações corrompidas, de pessoas sem qualificação e treinamento e de
favorecimentos políticos”, conclui.
Terceirização na iniciativa privada
No dia 30 de agosto, o Supremo Tribunal Federal (STF)
decidiu que é constitucional o emprego de terceirizados na atividade-fim das
empresas. A prática já era permitida desde o ano passado, quando o presidente
Michel Temer sancionou a lei da reforma trabalhista, que permite a
terceirização tanto das chamadas atividades-meio (serviços de limpeza e
segurança em uma empresa de informática, por exemplo) quanto das
atividades-fim.
Mas havia um impasse em relação a 4 mil ações anteriores à
lei da reforma trabalhista que questionavam entendimento do Tribunal Superior
do Trabalho (TST), em vigor desde 2011, segundo o qual era proibido terceirizar
a atividade-fim. Agora, essas ações, que tramitam em várias instâncias da
Justiça, deverão ter resultado definitivo favorável às empresas.
Por Marta Cavallini