BSPF - 19/10/2018
Limites e extensão da boa-fé
O tema que trazemos à coluna desta semana diz respeito a uma
questão sempre muito sensível em relação aos servidores públicos, qual seja, a
obrigação de restituir à Administração valores indevidamente recebidos,
notadamente aqueles percebidos de boa-fé.
Há diversas situações de recebimento indevido de valores que
precisam ser elencadas, distintas umas das outras: a) há servidores que ajuízam
demandas judiciais de obrigação de fazer contra entes públicos e recebem a
implantação de valores, a título precário, via tutela provisória de urgência,
posteriormente revogada ou cassada em grau superior; b) há servidores que
ajuízam demandas judiciais de obrigação de fazer contra entes públicos e
recebem a implantação de valores via sentença ou acórdão de tribunal inferior,
por decisão não transitada em julgado, posteriormente revertida em grau
superior; c) há servidores que ajuízam demandas de obrigação de fazer contra
entes públicos e recebem valores em decorrência de decisão judicial transitada
em julgado, posteriormente desconstituída pela via da ação rescisória; d) há
servidores que recebem valores indevidamente, como decorrência de erro
operacional da Administração, posteriormente identificado e o pagamento
suspenso; e) há servidores que recebem valores indevidamente, como decorrência
da má-interpretação da própria Administração, com entendimento posteriormente
retificado e o pagamento suspenso; f) há servidores que recebem valores
indevidamente, mesmo cientes da ilegalidade de tal percepção, porque
notificados de decisão judicial que declarou ilegal o recebimento; g) há
servidores que recebem valores da Administração em duplicidade, isto é, recebem
valores que já haviam percebido anteriormente.
Considerando-se a diversidade das hipóteses acima indicadas,
é certo que não é possível imaginar soluções rigorosamente idênticas para o
cumprimento do mister desejado por um ente público, qual seja, o de reaver as
quantias pagas indevidamente.
Por muito tempo, observou-se confusão, notadamente na
jurisprudência, na definição do que vem a ser a boa-fé, supostamente
caracterizadora do direito à irrepetibilidade por parte dos servidores.
As demandas acerca da questão, ao longo dos anos,
multiplicaram-se nas prateleiras do Poder Judiciário. Isto porque o art. 46 da
Lei n. 8.112/90, que foi seguido pela maior parte dos diplomas que regem os
servidores públicos em níveis estadual e municipal, não fez qualquer
conceituação acerca do recebimento indevido ser ou não de boa-fé, ser ou não
decorrente de má-interpretação da Administração, ser ou não decorrente de
decisão judicial, ou mesmo ser ou não precária a eventual decisão judicial que
havia determinado o pagamento.
Assim reza o referido dispositivo da Lei n. 8.112/90:
Art. 46. As
reposições e indenizações ao erário, atualizadas até 30 de junho de 1994, serão
previamente comunicadas ao servidor ativo, aposentado ou ao pensionista, para
pagamento, no prazo máximo de trinta dias, podendo ser parceladas, a pedido do
interessado.
§ 1o O valor de cada parcela não poderá ser inferior ao
correspondente a dez por cento da remuneração, provento ou pensão.
§ 2o Quando o pagamento indevido houver ocorrido no mês
anterior ao do processamento da folha, a reposição será feita imediatamente, em
uma única parcela.
§ 3o Na hipótese de valores recebidos em decorrência de
cumprimento a decisão liminar, a tutela antecipada ou a sentença que venha a
ser revogada ou rescindida, serão eles atualizados até a data da reposição.
Como se é de observar, o artigo em comento simplesmente
tratou de disciplinar como se dariam as reposições, com prévia comunicação ao
servidor ativo, aposentado ou pensionista, para pagamento no prazo máximo de
trinta dias, com a faculdade de parcelamento, a pedido, sendo o valor de cada
parcela de, no mínimo, dez por cento da remuneração, provento ou pensão.
Assim, como não poderia ser diferente, servidores que
recebiam notificações para devolução parcelas indevidamente percebidas passaram
a ajuizar ações contra os respectivos entes, buscando a cessação dos descontos
e, por outro lado, a devolução de valores que seriam – em seus entendimentos –
objeto de indevido desconto.
Um dos argumentos mais utilizados na fundamentação de
demandas dessa natureza é o fato de que o servidor teria agido de...
Fonte: JOTA