DCI - 26/11/2018
Economista e uma das autoras da LRF, Selena Peres, aponta
que a ‘Carta dos Governadores’ a Bolsonaro ignorou regra já existente que
flexibiliza a estabilidade do funcionalismo público
Brasília - A equipe de transição do presidente eleito Jair
Bolsonaro (PSL) trabalha na elaboração de propostas para ajudar a
“flexibilizar” a estabilidade de servidores públicos. O objetivo é atender ao
pedido encaminhado pelo grupo de 20 governadores eleitos e reeleitos na Carta
dos Governadores.
O estudo que está sendo preparado pela equipe do futuro
ministro da Economia, Paulo Guedes, traz algumas opções para facilitar o
processo de demissão de funcionários públicos com estabilidade. No documento,
deverá constar a redução da indenização aos servidores exonerados. A legislação
atual prevê que a indenização é de um salário (o vencimento na data da
exoneração) a cada ano de trabalho do funcionário.
Outra novidade em estudo é a criação de um programa de
demissão voluntário para o funcionalismo federal. Também devem constar da
proposta critérios objetivos de cumprimento de metas de produtividade pelos
servidores, a exemplo do que já acontece com algumas carreiras típicas de
Estado.
Na Polícia Federal, por exemplo, há metas por semestre sobre
quantidade de inquéritos que devem ser abertos por delegados ou relatados por
escrivães. Se as metas não são atingidas, o servidor tem que explicar por que
isso aconteceu e pode ser exonerado por baixa produtividade. Outra ideia em discussão
é estabelecer estabilidade parcial para carreiras cujo exercício não precisa
ser protegido por esse mecanismo, como os servidores administrativos. Isso é
defendido apenas para as carreiras típicas de Estado, a exemplo de policiais
federais, auditores fiscais e diplomatas.
A “flexibilização da estabilidade” é um dos 13 itens da
Carta dos Governadores, entregue a Bolsonaro no encontro do dia 14, em
Brasília, a pretexto de fazer o ajuste fiscal nas contas públicas. Os gestores
recém-eleitos avaliam que podem perder verbas federais ao descumprir a Lei de
Responsabilidade Fiscal (LRF), daí a “solução” para cumprir os limites
estabelecidos na LRF para despesa com pessoal ativo e inativo, que é de 60% da
receita corrente líquida.
Solução já existe
Mas a demissão de servidores públicos para atenuar os
impactos de situações econômicas adversas já está prevista no artigo 169 da
Constituição Federal e também na LRF, afirma a economista Selene Peres, uma das
coautoras da lei, em vigor desde 2000. “O que os governadores querem mesmo é
conseguir mais recursos da União”, disse a economista, apostando em uma manobra
política dos gestores para cumprir a LRF, sem cortar despesas com pessoal e
manter os servidores comissionados.
A demissão, lembra, já está autorizada toda vez que for
descumprido o limite de 60% da receita com o funcionalismo previsto para
Estados e municípios. “Há outras medidas que podem ser adotadas, como não
contratar pessoal, não dar aumento e cancelar renúncias fiscais, sem precisar
demitir servidores”, enumerou.
Atualmente, segundo o Tesouro Nacional, 14 estados possuem
mais de 60% de suas receitas comprometidas com a folha de pagamentos. Os casos
mais graves são os do Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. No
Nordeste, há identificação de omissões de dados sobre aposentados e
pensionistas para maquiar as contas com servidores.
Os governadores alegam que esses desligamentos podem ser
contestados na Justiça. Mas a legislação exige a adoção de providências para
corrigir a irregularidade, a começar com a redução em 20% dos gastos com os
cargos comissionados.
A medida pode ser adotada quando o ente federado entra no
chamado “limite prudencial”, ao alcança 46,55% da receita. Foi o que fez o
governador de Eduardo Pinho Moreira (SC). Em maio, ele extinguiu 239 cargos
comissionados, com salários entre R$ 2 mil e R$ 4 mil. Isso ajudou a manter o
comprometimento em 49% da receita e vai exigir novas medidas do futuro
governador Carlos Moisés da Silva (PSL), um dos 20 que elaboraram a carta a
Bolsonaro. No documento de prioridades dos gestores, a alternativa de começar a
redução de gastos pelos comissionados não foi apontada.
Se a redução dos gastos com comissionados não for
suficiente, a Constituição estabelece a exoneração de servidores não estáveis,
os que ingressaram antes da exigência de concurso público. Se não for
suficiente, o servidor estável poderá perder o cargo por ato de cada poder. Em
todos os casos haverá indenização ao servidor demitido correspondente a um mês
de remuneração por ano de serviço.
“Os governadores não querem mexer nos comissionados porque
são cargos políticos, frutos de acordos feitos entre partidos para vencer as
eleições e ajudar na gestão”, avalia o cientista político Carlos Manhanelli,
presidente da Associação Brasileira de Consultores Políticos (ABCOP).
Por Abnor Gondim