Paraná Portal
- 02/12/2018
O Estado precisa mudar a forma como seleciona e emprega
servidores públicos fazendo uma reforma em sua área de recursos humanos,
defende Carlos Ari Sundfeld, advogado especialista em direito público.
A proposta de reforma do RH, desenhada por ele e um grupo de
especialistas liderados por Armínio Fraga, fala em queda do número de
servidores e carreira única para entrada no serviço público federal.
Segundo ele, o projeto não deve ser confundido com o corte
de ministérios ou dos cargos comissionados – uma bandeira do futuro governo de
Jair Bolsonaro (PSL). Essas mudanças, diz, têm influência zero na despesa
pública.
O advogado duvida que o novo governo, ligado ao
corporativismo, toque uma reforma do porte proposto e critica o Estado mínimo
defendido pelo futuro ministro da Economia, Paulo Guedes: “É uma visão muito
radical”.
Pergunta – Quais os principais pontos da reforma do RH? A
entrada no serviço público federal seria única?
Sundfeld – O desafio é construir processos de seleção gerais
e que sirvam para identificar competências que façam com que os selecionados
sejam adaptáveis às diferentes funções.
Quando for preciso conhecimento específico, pega alguém da
carreira que tenha a qualificação. A carreira única seria uma vantagem
estratégica e evitaria desperdícios. Hoje, há 300 carreiras com funções muito
específicas.
Como enfrentar a pressão da elite do funcionalismo?
Sundfeld – É preciso apoio externo para colocar na agenda do
Congresso, de Câmaras e Assembleias um projeto de reforma do RH. Sem esse
apoio, é impossível porque as carreiras estão muito bem representadas.
Isso será possível em um governo Bolsonaro?
Sundfeld – Olhando o tipo de bancada e a origem das pessoas
que o governo Bolsonaro vai recrutando, é difícil imaginar que seja um governo
reformista em recursos humanos, porque a base é formada por representantes de
corporações - bombeiros, policiais militares, ex-juízes.
O próprio Bolsonaro fez a carreira ligada ao corporativismo
militar.
O sr. vê vontade do futuro governo?
Sundfeld – Tudo muito vago. Quando se pergunta de onde virá
a economia, eles falam em privatização, que são receitas extraordinárias, e não
em diminuição das despesas correntes e de pessoal.
Se a retomada do desenvolvimento passa pela queda da despesa
corrente, não há como fazer isso sem reforma previdenciária e de pessoal.
De que forma a redução do número de ministérios ajuda na
reforma do RH?
Sundfeld – Em linhas gerais, é irrelevante. A diminuição de
ministério pode tornar mais fácil a comunicação entre o presidente e seus
auxiliares diretos ou não permitir que haja espaço para demanda por cargos
ministeriais por partidos da base. A influência na despesa pública é zero.
Como assim?
Sundfeld – Hoje o tema de gestão de pessoal está nas mãos do
Ministério do Planejamento. Pode ser que um ministro da Economia que seja um
czar consiga montar um conselho de subministros que tenha capacidade de tocar
uma lista de agendas prioritárias. É uma hipótese que não corresponde muito ao
que tem ocorrido no Brasil nos últimos 30 anos. Então, o risco é que o tema da
gestão do RH fique ainda mais para o fim da linha.
A proposta do RH do Estado chegou a ser apresentada ao
presidente eleito?
Sundfeld – Evidentemente, os que se envolveram nisso estão à
disposição, mas não houve nenhum tipo de contato com o governo.
A reforma envolveria só o Executivo ou também o Legislativo
e Judiciário?
Sundfeld – Por que não pensar numa reforma que crie um grande
conselho nacional da magistratura que cuide da gestão de pessoal no Judiciário,
Ministério Público e nos Tribunais de Contas? Exigiria mudança constitucional,
mas por que não? Com salários altíssimos, precisamos fazer com que esse pessoal
seja produtivo para precisarmos de menos gente.
O sr. está otimista com os próximos quatro anos?
Sundfeld – Nessa matéria, não.
Mesmo com Paulo Guedes defendendo o Estado mínimo?
Sundfeld – Talvez o fato de ele dizer isso é que seja a
razão do meu temor. É uma visão muito radical quanto ao valor o Estado mínimo
sem capacidade de entender os desafios que existem ao lidar com a máquina
pública. Reduzir ministério ou acabar com cargo comissionado é ilusão. A
despesa não vai reduzir. A prioridade deveria ser fazer processos de seleção
para cargos públicos de liderança adequado, não acabar com eles. É preciso ter
mais sensibilidade e respeito com a história brasileira. Não estamos fundando
um país do nada.
Por Flavia Lima e William Castanho
(Folhapress)