Terra - 02/12/2018
Na comparação com Executivo e Legislativo, Poder foi o que
mais expandiu os gastos com a folha de pagamento de 1995 a 2017
O Judiciário quadruplicou o gasto com pessoal em pouco mais
de duas décadas, em termos reais - já descontada a variação da inflação.
Comparado com Executivo e Legislativo, foi o Poder que mais expandiu as
despesas com a folha de pagamento de 1995 a 2017, último ano com dados
consolidados. Especialistas em administração pública ouvidos pelo Estado
acreditam que essa tendência deve se manter, já que o presidente Michel Temer
sancionou na semana passada o reajuste de 16,38% para o Judiciário e o
Ministério Público.
Em 20 anos, o País e a demanda por serviços cresceram, e
mais servidores foram contratados - parte deles para ocupar as vagas dos que se
aposentaram. No caso do Judiciário, contudo, houve um descompasso entre o
crescimento do número de funcionários e o dos gastos com pessoal. Em 2015, em
comparação com 1995, a despesa com a folha salarial era 120% maior do que seria
caso tivesse apenas acompanhado o aumento no número de servidores.
A comparação se dá em termos reais, ou seja, os servidores
tiveram ganhos acima da inflação no período. Não foi possível fazer os cálculos
em relação a 2017, porque o Boletim Estatístico Pessoal do Ministério do
Planejamento, que detalhava o número de servidores dos três Poderes, deixou de
ser publicado.
O Ministério Público da União, que não tem status de Poder,
apresenta a relação mais estreita entre a expansão de pessoal e o crescimento
dos gastos com folha de pagamento. No final de 2015, gastava 28% a mais do que
se somente bancasse as novas contratações. Porém, no histórico da evolução de
gastos com pessoal, o MP da União registrou aumento de despesas maior até do
que o Judiciário: mais de 347%, em termos reais, de 1995 a 2017.
Na avaliação de estudiosos da administração pública, há dois
motivos principais para explicar a maior expansão dos gastos do Judiciário: o
crescimento da estrutura do Poder e a alta capacidade de pressão dos
magistrados. O reajuste no contracheque dos ministros do Supremo Tribunal
Federal (STF) foi negociado diretamente pelo presidente da Corte, Dias Toffoli.
"Essas (categorias - Judiciário e MP) têm poder de
pressão porque estão próximas à tomada de decisão", disse o professor da
FGV Sérgio Luiz Moraes Pinto. Segundo ele, historicamente, os funcionários do
Judiciário e do Ministério Público da União já recebem salários mais altos.
Conforme a edição mais recente da publicação Justiça em
Números, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), com dados de 2016, a despesa
média do Judiciário com magistrados é de R$ 48,5 mil, e com servidores, de R$
15,2 mil. Enquanto isso, no Executivo, a remuneração média mensal é de R$ 11,2
mil para ativos e R$ 9 mil para inativos, segundo o documento elaborado pelo
Ministério do Planejamento para o governo de transição do presidente eleito,
Jair Bolsonaro.
O documento do Planejamento atribui ainda o tamanho da
despesa da União com pessoal ao que classifica como elevados rendimentos de
servidores federais. "Os altos níveis de gastos são impulsionados pelos
altos salários dos servidores públicos, e não pelo número excessivo de
servidores. Isso se verifica principalmente na esfera federal, onde os salários
são significativamente mais altos que aqueles pagos a servidores dos governos
subnacionais, ou a trabalhadores em funções semelhantes no setor privado."
Gil Castello Branco, da ONG Contas Abertas, vê dois problemas
nesse cenário. O primeiro é a disparidade entre salários da União.
"Deveria haver uma harmonia maior entre os Poderes." O segundo é a
indexação dos salários ao teto constitucional. "O problema não é 11
ministros da Corte Suprema receberem R$ 40 mil, o problema são as
indexações", disse, citando como exemplo o fato de um policial federal
poder alcançar a mesma remuneração que recebem os integrantes da Corte.
Para entidades, aumento da estrutura é explicação
Entidades representativas de juízes e procuradores federais
atribuem a ampliação das despesas com pessoal nos últimos 20 anos a uma maior
estruturação das instituições que, diferentemente do Executivo, eram bem
menores.
Segundo o presidente da Associação de Juízes Federais do
Brasil (Ajufe), Fernando Mendes, no período da redemocratização havia apenas
cerca de 50 juízes federais no País. Hoje, conforme Mendes, são mais de 2 mil
espalhados por capitais e pelo interior do País.
"Se a Justiça for vista como custo, realmente teve um
aumento. Mas o aumento da estrutura também trouxe um lado positivo na
arrecadação", disse.
A máquina pública cresceu e, no caso do Judiciário e do
Ministério Público da União, se estruturou melhor nas últimas décadas. Até
1995, haviam sido implantadas 23 unidades do MP Federal em municípios e 33 nas
capitais. O número saltou para 221 municípios após a sanção de legislação de
1993 que definiu a organização, as atribuições e o estatuto do Ministério
Público da União. "A instituição passou por um grande processo de interiorização,
com a construção e instalação de procuradorias para atender a municípios em
todo País", diz nota da Procuradoria-Geral da República.
Em duas décadas, o número de funcionários do MP da União
aumentou 217%. Foi, de longe, o setor que mais cresceu proporcionalmente. O
Judiciário, que fica na segunda colocação, aparece bem abaixo, com expansão de
67%.
Para José Robalinho, presidente da Associação Nacional de
Procuradores da República (ANPR), há um número maior de carreiras qualificadas
no MPU e no Judiciário. "O Executivo é muito maior, você mistura as
carreiras de elite com nível médio, aí a média é menor", disse.
"Tenho certeza que, se você olhar as carreiras-chave deles, Tesouro,
Receita, AGU, e falo isso com tranquilidade, tenho certeza que tiveram reajustes
maiores que a magistratura e o MP."
Por Marianna Holanda, Caio Sartori, Daniel Bramatti e Alessandra
Monnerat
(Estadão Conteúdo)