BSPF - 24/12/2018
Desde 22 novembro, o assistente de chancelaria do
vice-consulado do Brasil em Puerto Ayacucho, na Venezuela, Leonardo de Souza,
está proibido de se aproximar, ligar, mandar e-mails ou mensagens para uma
funcionária local. Também não pode persegui-la ou tentar intimidá-la.
As ordens foram dadas pelo Ministério Público do Estado do
Amazonas da Venezuela, que se refere ao diplomata brasileiro como “suposto
agressor” e evoca a Lei Orgânica Sobre o Direito das Mulheres a Uma Vida Livre
de Violência para vetar qualquer contato entre a subordinada e o chefe. Desde
maio, existe uma investigação interna no Ministério das Relações Exteriores
para apurar a conduta do servidor, que após a denúncia deve ser removido para a
Bolívia.
O caso engrossa as estatísticas obtidas com exclusividade
pelo jornal O Globo na CGU (Controladoria-Geral da União). Os dados revelam que
o ano de 2018 bateu recordes em procedimentos instaurados para apurar denúncias
de assédio sexual e moral e em demissões decorrentes delas no governo federal.
Só este ano foram instaurados 185 processos de apuração
relacionados a assédio, que geraram expulsões de nove servidores. Em 2014,
quando a CGU começou a catalogar “assédio sexual e moral” entre os temas que
motivam abertura de investigações internas, foram instaurados 91 processos
apuratórios e dois servidores foram expulsos.
O documento do Ministério Público venezuelano assinala que
“foram impostas por essa Representação Fiscal três medidas de proteção e
segurança sendo as mesmas de natureza preventiva e decretadas para salvaguardar
a dignidade e a integridade física, psicológica, sexual, patrimonial e de toda
ação que viole e ameace os direitos contemplados na Lei Orgânica sobre o
Direito das Mulheres a Uma Vida sem Violência da cidadã M. J. Q. A”.
Questionado sobre o caso, o Itamaraty respondeu que, “por
exigência legal, deve manter sigilo sobre quaisquer processos administrativos
em curso”. Procurada, a funcionária não quis se manifestar. A reportagem enviou
e-mails e fez ligações para Souza, mas não obteve resposta.
Número real é maior
Apesar do número crescente de casos, os dados da CGU
referentes a assédio no ambiente de trabalho mostram uma discrepância entre as
denúncias e as punições.
“O número de demissões é baixo porque, na maioria dos
processos em que trabalhamos, não há prova material. Geralmente, a prova é por
indício. Quando conseguimos comprovar um fato menor, aplicamos outras punições
como advertência ou suspensão”, diz Aline Cavalcante dos Reis Silva,
corregedora-geral da União substituta.
Além das nove expulsões, dez servidores foram suspensos e
três advertidos devido a denúncias de assédio sexual e moral em 2018.
Para ter dados mais precisos, a CGU pretende separar
futuramente os números de assédio sexual dos de assédio moral, segundo a
corregedora-geral substituta:
“É uma preocupação que vem sendo aprimorada ao longo do
tempo. É importante que consigamos identificar os casos de assédio sexual para
trabalhá-los de forma preventiva também.”
Um levantamento feito nos últimos dois meses por meio da lei
de acesso à informação com dez dos principais ministérios da Esplanada revela
que ao menos cinco deles apuram casos de assédio sexual cometidos por
servidores: Transportes, Meio Ambiente, Cultura, Relações Exteriores e
Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão. Nesses dois últimos,
ocorreram demissões vinculadas às denúncias.
“Apesar do número crescente de denúncias, as mulheres ainda
têm dificuldades para levar esses processos adiante. A partir do momento em que
fazem a denúncia, sofrem uma série de pressões e ameaças por terem colocado o
violador numa posição difícil. Geralmente são remanejadas de lugar e alertadas
de que, se fizerem as denúncias, a vida delas se tornará difícil no trabalho.
Tenho casos de assédio sexual envolvendo servidores da EBC (Empresa Brasil de
Comunicação), Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) e TSE (Tribunal
Superior do Trabalho) sempre seguindo esse modus operandi — disse Ilka Teodoro,
sócia de um dos primeiros escritórios de advocacia dedicados à violência de
gênero do Brasil.
De repente, um ataque
No caso da Aneel, Ilka relata que o assédio no ambiente de
trabalho foi feito na frente de diversas testemunhas. Uma funcionária levou um
tapa na bunda do seu superior durante um chá de panela de um colega. A vítima
reagiu e deixou o local. Depois do fato, passou a ser assediada moralmente pelo
chefe. Descontente, a funcionária fez uma publicação nas redes sociais sobre o
assédio. O assediador usou a mensagem para entrar com uma ação contra a
funcionária que hoje responde pela suposta calúnia.
Outro caso em que Ilka atuou e no qual houve represálias
contra as denunciantes ocorreu na EBC em 2015. Doze mulheres denunciaram um
servidor por terem testemunhado ou sofrido assédio sexual cometido por ele.
Quando o suposto agressor teve conhecimento da denúncia levada ao Comitê de
Gênero do órgão, moveu uma ação contra as denunciantes que gerou outra
investigação. Ao serem ouvidas pela polícia, as 12 mulheres recuaram e
desistiram da ação.
Dos 25 ministérios ou órgãos com status de ministério do
governo federal, a pasta com maior número de casos é a da Educação, que
registrou 519 denúncias e nove demissões em 2018. Em nota, o MEC disse que da
pasta não recebeu nenhuma denúncia do tipo em 2018 e que os casos reportados
pela CGU podem ser relativos às Instituições Federais de Ensino espalhadas pelo
país.
Fonte: O Sul