Congresso em Foco
- 08/03/2019
A Câmara dos Deputados deve retomar, nas próximas semanas, a
discussão de um projeto de lei que combate no funcionalismo público os
recebimentos acima do teto constitucional – os chamados supersalários.
O PL 6726/16, que regula o teto remuneratório, já estava no
final do ano passado com um relatório pronto para ser apreciado na comissão
especial criada para tratar do tema, mas acabou não sendo votado. Relator do
texto na última legislatura, o deputado Rubens Bueno (PPS-PR) quer recolocar o
projeto em pauta.
Será preciso, em primeiro lugar, recriar a comissão especial
que analisa o tema. Bueno disse ao Congresso em Foco que tem tratado do assunto
com o presidente da Câmara Rodrigo Maia (DEM-RJ), e afirma que a formação do
colegiado deverá ser discutida após a instalação das comissões permanentes da
Câmara – primeiro passo para que comece a tramitar a reforma da Previdência,
por exemplo –, prevista para a próxima terça (12) ou quarta-feira (13).
Teto constitucional
A Constituição já impõe, no artigo 37, o teto dos ganhos do
funcionalismo: o salário dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), que
foi reajustado em novembro do ano passado para R$ 39.293,32. Servidores
estaduais e municipais têm balizas diferentes, mas nenhuma ultrapassa esse
valor.
O mesmo artigo dita, porém, que "parcelas de caráter
indenizatório" não contam como parte dos vencimentos do funcionário
público. Ou seja, o teto pode ser estourado com recursos que sejam considerados
de direito do servidor, por lei – desde reembolso de diárias por viagens a
serviço até adicional de insalubridade, entre outras dezenas de pagamentos.
Especialistas afirmam que essa exceção criou uma brecha e
"desvirtuou" o conceito de verba indenizatória. "Simplesmente
pagam-se valores, verbas, adicionais e uma série de outros penduricalhos, por
assim dizer, que acrescentam à remuneração indevidamente valores que, a nosso
ver, a Constituição não permitiria", explicou aos deputados, no final de
2017, o economista Dyogo Oliveira, então ministro do Planejamento do governo
Temer.
Juízes acima da lei
No Judiciário os supersalários praticamente tornaram-se a
regra. O relatório Justiça em Números, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ),
apontou no ano passado (com dados referentes a 2017) que na Justiça Estadual,
por exemplo, a despesa média por magistrado foi de R$ 49,8 mil. O valor foi R$
16 mil superior ao teto constitucional, que ainda era de R$ 33,7 mil naquele
ano. Em apenas duas das 27 unidades da federação, Pará e Piauí, o ganho médio
por juiz ficou abaixo do teto. Em Mato Grosso do Sul, cada magistrado estadual
recebeu em média, em 2017, R$ 100.607 por mês, o triplo do limite da
Constituição.
Esses acúmulos são possíveis pela falta de uma lei que
especifique as situações em que é legítimo estourar o teto constitucional. O
projeto que pode voltar à pauta da Câmara detalha todas essas exceções (30, no
total), para que seja ilegal tudo aquilo que não estiver previsto no texto.
O projeto determina que qualquer recebimento fora das regras
será crime de improbidade administrativa e prevê que o governo crie um sistema
único de controle, pelo qual a remuneração de cada funcionário público possa
ser verificada individualmente.
Rubens Bueno afirma que não tem a pretensão de ser o relator
da proposta novamente. "Quero apenas ajudar para aprovar esse relatório
que enfrenta as grandes corporações dos privilégios e abusos", disse. A
ideia é aproveitar o embalo da reforma da Previdência, cujo mote adotado pelo
governo tem sido exatamente esse em sua propaganda: combater privilégios.
Supersalários no Congresso
Em 2011, o Congresso em Foco começou a publicar uma série
sobre os supersalários. Com base em auditoria do Tribunal de Contas da União
(TCU), à qual a reportagem teve acesso em primeira mão, quem eram e quanto
realmente ganhavam os funcionários do Congresso com salários muito acima do
permitido pela Constituição, superiores aos dos ministros do Supremo Tribunal
Federal. Só no Senado eram mais de 450 servidores.
O site mostrou ainda que a distorção alcançava também
parlamentares e membros dos poderes Executivo e Judiciário, tanto no plano
federal, quanto estadual e municipal. As listas publicadas provocaram a reação
de um grupo de servidores. Uma ofensiva judicial do sindicato dos funcionários
do Congresso tentou obter R$ 1 milhão em indenizações por meio de 50 processos.
Mas o Congresso em Foco ganhou todos os casos julgados.
No final de 2013, por ordem do Tribunal de Contas da União,
a Câmara e o Senado cortaram os salários recebidos além do permitido. Por causa
da Lei de Acesso à Informação, esses dados passaram a ser públicos e
divulgados, ainda que com algumas limitações, nas páginas das duas casas
legislativas.
Por Rafael Neves