BSPF - 11/07/2019
Notadamente, o governo federal vem utilizando seu espaço de
propagandas para demonstrar que a reforma da Previdência está obstinadamente
focada em retirar ditos privilégios pagos, especificamente, aos servidores
públicos, como se esta fosse a única fonte de solução para cobrir o déficit da
Previdência Social brasileira. Primeiramente, é preciso ser dito que não há
qualquer privilégio, uma vez que os servidores públicos contribuem com um percentual
sobre o seu salário bruto, e não sobre o teto do RGPS, gerando uma diferença
grande de valores recolhidos. Diante de tudo que foi exposto até o momento, a
Associação dos Advogados Públicos Federais (ANAFE) considera que a proposta
traz uma visão bastante limitada e monotemática, que tem como principal foco
retirar direitos constitucionais assegurados aos cidadãos brasileiros.
Assim, propõe um diálogo aberto para tratar das muitas
outras frentes que precisam ser contempladas, no lugar de unicamente
desmobilizar e enfraquecer o corpo de servidores públicos que são justamente aqueles
que defendem os interesses mais prementes do Estado. Nesse sentido, é de se
espantar que a proposta atual não busque alternativas para sanar a economia, a
exemplo da cobrança dos débitos previdenciários que, hoje, somam mais de R$ 490
bilhões de reais. Caso sejam dadas as condições necessárias, a Advocacia
Pública Federal irá imediatamente cumprir o seu mister de cobrar tais débitos,
fazer esta roda girar e, assim, auxiliar de forma fundamental nesse grave
momento de crise fiscal.
O momento demanda que se lance mão de outras tantas medidas,
como o combate ao devedor contumaz e a proibição de parcelamentos especiais
conhecidos como os Refis, que incentivam a cultura do não pagamento e impactam
diretamente na dívida ativa da União. De acordo com a Procuradoria-Geral da
Fazenda Nacional, menos de 15% das empresas e 7% das pessoas físicas devem
tributos para a União. Apenas 0,5% das empresas devedoras responde por mais de
62% dos débitos. Para pessoas físicas, a relação é ainda maior. Apenas 0,1%
responde por 34% da dívida. Os dados deixam claro o equívoco de tais programas
pois, longe de serem fundamentais para os pequenos contribuintes, têm como
principais beneficiários os 0,5% dos devedores que acumulam os maiores passivos
– entre eles, grandes empresas envolvidas na Lava-Jato, por exemplo.
Outros pontos importantes que podem impactar na redução do
déficit da Previdência:
1) Que o governo dê prioridade de andamento e julgamento em
processos que discutem a cobrança de dívidas superiores a um milhão de reais;
2) Que eleve a Contribuição Social Sobre Lucro Líquido (CSLL) dos bancos em 5%
por 15 anos; 3) Que reduza a DRU (Desvinculação das Receitas da União) em 1%
por ano ao longo de 15 anos; 3) Que promova o fim de isenções para grandes
empresas por 15 anos; 4) Que regulamente o Imposto Sobre Grandes Fortunas para
pagamento exclusivo dos benefícios assistenciais ao portador de deficiência e
ao idoso.
Além disso, a Previdência não pode ser vista apenas do ponto
de vista econômico, mas, também, no seu aspecto social, já que milhares de
pessoas, com justas expectativas, se organizaram para ter uma aposentadoria
digna, amparada nos preceitos que a Constituição Federal previu para a
Previdência Social. São grandes os riscos implicados na mudança proposta, sendo
os principais, expostos a seguir:
1) A proposta atual atinge diretamente o caráter público das
fundações de previdência complementar dos servidores públicos e faculta que os
respectivos fundos sejam integralmente geridos por entidades abertas, mediante
simples licitação, o que significa privatizar fundos, gestão e meios, sem
garantias para o servidor. Mesmo aqueles que migraram para o sistema de
previdência pública, confiando nas balizas predispostas anteriormente;
2) A minuta não prevê regras de transição aos que
ingressaram antes de 2004, exigindo 65 anos de idade para o acesso ao benefício
integral tanto para homens e quanto para mulheres. Impõe, ademais, perda de até
50% no valor da aposentadoria dos que ingressaram entre 2003 e 2013, assim como
passa a exigir 40 anos de contribuição daqueles que aderiram à previdência
complementar, caso queiram se aposentar com o benefício integral;
3) As regras previstas nos artigos 40 e 201 da Constituição
Federal de 1988 são desconstitucionalizadas. Mantém-se somente parâmetros
gerais que devem ser disciplinados em matéria previdenciária.
4) Além disso – e não menos relevante –, depreende-se que
será completamente extinto, para o futuro, o sistema de repartição,
suprimindo-se contribuições de governos e empresas para a constituição dos
fundos de aposentadorias, em eventual regime de capitalização. A despeito dos
riscos e das mazelas próprias do regime de capitalização, a inexistência de
financiamento patronal é a senha para aposentadorias e pensões ruinosas a médio
e longo prazos, como também o seria a desvinculação do Benefício de Prestação
Continuada do salário mínimo.
Desde a apresentação da primeira proposta de reforma da
Previdência, a ANAFE atua em conjunto com as demais carreiras públicas, por
meio do Fórum Nacional Permanente das Carreiras Típicas de Estado (FONACATE),
em favor da Previdência Social e do resguardo dos direitos dos servidores
públicos em geral. É necessário que a sociedade entenda a gravidade do momento pelo
qual estamos passando quando, infelizmente, insistem em eleger o serviço
público como vilão da crise econômica vigente.
É tempo de promover um diálogo franco, técnico e
responsável, como requer a democracia, a fim de que se encontre uma alternativa
justa e sustentável para o atual Sistema de Seguridade Social no Brasil. A
ANAFE se dispõe a auxiliar na construção de um modelo que não ocasione
retrocessos aos direitos sociais dos cidadãos brasileiros.
Por Marcelino Rodrigues - presidente da Associação Nacional
dos Advogados Públicos Federais (ANAFE). Procurador da Fazenda Nacional desde
2009.
Fonte: Congresso em Foco