BSPF - 14/07/2019
Brasília - Em fim de mandato, a procuradora-geral da
República, Raquel Dodge, encampou uma cruzada contra os honorários embolsados
por advogados públicos.
Entre maio e junho, ela ajuizou 24 ações no STF (Supremo
Tribunal Federal) para questionar o pagamento dos benefícios em 23 estados e no
DF.
Os chamados honorários de sucumbência são pagos pela parte
derrotada em um processo judicial. Cada estado tem lei própria para definir
como esses recursos são divididos entre procuradores.
No âmbito federal, também alvo de questionamento de Dodge,
esses valores são rateados desde 2016 entre advogados da União, procuradores
federais, da Fazenda Nacional e do Banco Central.
Com salário médio de R$ 24 mil, essas carreiras recebem um
adicional médio de R$ 7.000 por mês, um incremento de quase 30%.
Sobre o pagamento extra, não há incidência de contribuição
previdenciária. O valor também não é limitado ao teto salarial do funcionalismo
público, hoje em R$ 39,3 mil.
Para bancar o penduricalho, o governo federal desembolsou R$
690 milhões em 2018. Antes da implementação do benefício, os recursos eram
destinados aos cofres públicos.
Como cada ente tem regras e fiscalização próprias, o cálculo
do gasto total no país é dificultado. Em 16 estados, a distribuição de
honorários a advogados públicos é feita há mais de dez anos. Nove deles pagam o
benefício há mais de duas décadas.
São Paulo foi o primeiro estado a aprovar a implementação do
penduricalho. A lei, depois regulamentada por decretos, é de 1974.
O dinheiro é repassado a procuradores estaduais, assessores
técnicos e assistentes jurídicos. Servidores aposentados também recebem.
Nos processos no STF, Dodge pede medida cautelar para
suspender os pagamentos e solicita a declaração de que o mecanismo é
inconstitucional.
A relatoria dos processos está pulverizada nas mãos de sete
ministros da corte e não há previsão para julgamento.
"A disciplina do pagamento de honorários judiciais a
servidores e procuradores do Estado é incompatível com o regime de subsídio, o
teto remuneratório constitucional e os princípios republicanos da isonomia, da
moralidade, da supremacia, do interesse público e da razoabilidade", diz
Dodge em um dos processos.
A procuradora-geral afirma que, no setor privado, os
honorários têm função de cobrir despesas relativas ao custo da atuação
profissional e à manutenção do escritório.
No caso dos advogados públicos, porém, é o governo que arca
com todo o suporte físico e de pessoal, o que não justificaria o repasse dos
recursos aos advogados já remunerados integralmente para prestarem esses
serviços.
A PGR argumenta que recursos públicos não podem ser geridos
por servidores públicos como se fossem privados.
Representante do Conselho Curador dos Honorários
Advocatícios, órgão responsável pela gestão e distribuição dos honorários aos
servidores federais, o procurador da Fazenda Nacional Rogério Campos disse que
vê um movimento corporativista de Dodge.
Em novembro, o ministro do Supremo Luiz Fux tomou decisão
que extinguiu o pagamento de auxílio-moradia a membros da magistratura,
incluindo os procuradores da República, categoria comandada por Dodge e que não
tem direito a receber honorários.
No mês seguinte, a PGR abriu a ação contra os honorários a
advogados públicos federais. Neste ano, iniciou os processos contra os
benefícios nos estados.
"É um movimento político da procuradora-geral. É a
cooptação do Estado pelas corporações. Ela está inclusive se lançando como
candidata à reeleição sem participar da lista tríplice e surge como guardiã de
uma discussão que é corporativa", disse Campos.
O mandato de Dodge no comando da PGR vai até o meio de
setembro. Apesar de não fazer parte da lista dos três nomes mais votados pela
categoria para o cargo, ela se colocou à disposição do presidente Jair
Bolsonaro para ser reconduzida ao posto.
Na última semana, Bolsonaro recebeu a lista tríplice
organizada pela ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República), mas
não se comprometeu a segui-la. Por lei, ele não é obrigado a fazê-lo.
Embora veja com desconfiança o movimento de Dodge, Campos
defende que a discussão seja feita no STF para que haja uma decisão definitiva.
Para ele, o mecanismo é uma forma de remuneração que
prestigia a eficiência.
"Os honorários inauguraram um ciclo virtuoso de
ganha-ganha. Quanto melhor a atuação [dos advogados públicos], mais recursos
para o governo. Com isso, os procuradores são mais bem remunerados e o Estado
também obtém mais valores", afirmou.
Sobre as afirmações de Campos, a PGR informou que as ações
foram apresentadas após longo processo de estudos técnicos e que o fundamento
dos processos é a proteção do patrimônio público.
Honorários no Governo Federal
Quem recebe
Advogados da União
1.723 na ativa
1.488 inativos
Procuradores da Fazenda Nacional
2.096 na ativa
448 inativos
Procuradores federais
3.753 na ativa
4.841 inativos
Procuradores do BC
167 na ativa
118 inativos
Salário médio das carreiras
R$ 24 mil
Valor médio adicional ao mês em honorários
R$ 7.000
(Folhapress)
Fonte: GaúchaZH