BSPF - 20/07/2019
O texto estabelece também que Regimes Próprios de
Previdência Social poderão ser extintos com consequente migração para o regime
geral
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da reforma da
Previdência à espera de aprovação em segundo turno na Câmara proíbe a formação
de novos regimes próprios para servidores e estimula a unificação dos sistemas.
O texto estabelece também que Regimes Próprios de
Previdência Social (RPPSs) poderão ser extintos com consequente migração para o
regime geral, gerido pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
Segundo dados da Secretaria de Previdência, há 2.138 órgãos
em municípios, estados e Distrito Federal responsáveis pela gestão de
aposentadorias e pensões. A União também tem regime próprio. Das 5.570 cidades,
2.111 criaram um sistema previdenciário exclusivo para servidores.
As alterações constam do parágrafo 22 do artigo 40 da
Constituição. O relator da PEC, deputado Samuel Moreira (PSDB-SP), é o autor
das novas regras. "No futuro, o ideal, o mais justo, é que exista um
sistema único", diz. "O ideal é caminharmos para um regime só. "Segundo
Moreira, o objetivo é evitar a criação de regimes próprios, "que já não
são poucos e têm sido origem e fonte de privilégios".
Critérios mais precisos para a criação e extinção de regimes
próprios já estavam previstos na proposta original do governo Jair Bolsonaro,
mas não a vedação a novos sistemas. "Deixávamos a decisão sobre ter ou não
um novo regime aos próprios entes federativos. O relator teve uma visão mais
restritiva", diz o secretário-adjunto de Previdência do Ministério da
Economia, Narlon Gutierre Nogueira.
No novo texto, mesmo regime superavitário poderá ser
extinto. Mas, segundo Nogueira, a extinção é "praticamente
impossível" para estados e cidades que tenham regime antigo. Isso
implicaria continuar pagando as atuais aposentadorias sem equivalente receita
de contribuições.
Hoje, para instituir ou extinguir um regime próprio, basta
que a prefeitura aprove a decisão na Câmara Municipal. Tanto a proposta
original quanto a PEC procuram limitar essa medida, criando critérios
específicos.
As novas regras, segundo o texto aprovado por 379 deputados
na semana passada, serão definidas em lei complementar. A PEC será submetida a
votação em segundo turno em agosto. Depois disso, seguirá para o Senado.
Apesar de Nogueira apontar entraves para a extinção de
regimes existentes, especialistas em Previdência ouvidos pela reportagem
concordam que a intenção é unificar sistemas de aposentadorias e pensões. "A
lei não cria obrigatoriedade [de extinção], mas a ideia é manter o grupo de
servidores que já ingressaram em regra de transição e paulatinamente passar
todo o mundo para um único regime", afirma Jorge Boucinhas, professor de
direito da FGV.
Um ponto levantado é a importância das alterações na
Constituição como uma saída para o rombo fiscal da Previdência pública. Estados
e municípios, assim como a União, enfrentam o desafio de déficits.
O rombo financeiro nos estados chega a R$ 86 bilhões, e, nos
municípios, a R$ 12 bilhões, segundo estimativa dos especialistas Paulo Tafner
e Pedro Nery, feitas com base em dados de 2017 da Secretaria de Previdência.
Com vários entes enfrentando déficits, criar novos regimes
próprios implica "a responsabilidade de gerir o sistema por muitos
anos", diz Adriane Bramante, presidente do Instituto Brasileiro de Direito
Previdenciário (IBDP).
Érica Paula Barcha Correia, professora de direito
previdenciário e doutora pela PUC-SP, critica as novas regras. "É um tiro
no escuro, não sabemos o que acontecerá quando vier a regulamentação para
aqueles servidores que já estão nos regimes próprios. Essa é uma preocupação.
Podem mexer, por exemplo, na fórmula de cálculo de benefícios", diz.
Segundo ela, há preocupação porque as regras poderão ser
modificadas por meio de lei complementar. Fora da Constituição, que exige dois
terços do Congresso para alteração –308 votos dos 513 deputados e 49 dos 81
senadores–, essa lei complementar precisará de menos apoio. Bastarão 257
deputados e 41 senadores.
O presidente da Associação Nacional de Entidades de
Previdência Estaduais e Municipais (Aneprem), Heliomar Santos, considera que
vedar a criação de novos regimes próprios interfere no poder do ente federado
de legislar sobre seu próprio sistema.
Para ele, o parágrafo incluído na Constituição pressupõe que
o regime próprio causa prejuízos, "quando na verdade é o contrário".
"A maioria dos municípios, excetuando as capitais, está superavitária. "A
grande causa dos desequilíbrios são os altos salários do Legislativo,
Judiciário e de algumas carreiras do Executivo", diz Santos.
Ele afirma que há de fato casos de entes que criaram
privilégios, como a incorporação de vantagens sobre as quais não houve
contribuição, mas diz que isso já está sendo corrigido na atual reforma. Segundo
ele, a maioria dos prefeitos que decidiram extinguir regimes próprios acabou
voltando atrás. O presidente da Aneprem considera "um grande erro"
não inserir estados e municípios na reforma da Previdência.
Para Mauro Silva, presidente da Associação Nacional dos
Auditores Fiscais Federais (Unafisco), o problema do parágrafo 22 é que a
discussão não foi transparente. "Não ficou claro para a sociedade que se
está permitindo a extinção dos regimes próprios", afirma ele.
Consórcios
O parágrafo 22 do artigo 40 da Constituição, caso a reforma
seja aprovada, também prevê a adesão a consórcios públicos. Neles, entes da
Federação –União, estados, Distrito Federal e municípios– podem se associar
para a prestação de um serviço público.
Hoje, existem consórcios públicos, por exemplo, nas áreas de
saúde, saneamento básico e transporte. A reforma agora autoriza fusões para
prestação de serviços previdenciários.
A vedação da criação de novos regimes, a previsão de
extinção dos atuais com a migração para o INSS e a possibilidade de criação de
consórcios permitem ampliar a massa de segurados, diz Hélio Zylberstajn,
professor sênior da FEA-USP e coordenador do Salariômetro da Fipe.
"O pequeno município não terá escala para ter benefício
capitalizado. A PEC veda a criação de novos regimes para que municípios que
queiram se juntem a sistemas já existentes. Aí entra a ideia do
consórcio", afirma.
Professor de direito administrativo da USP, Floriano de
Azevedo Marques Neto diz que a regra enfrentará desafios. "O regime de
Previdência é contributivo e solidário. Quem vai fazer a arbitragem sobre
ganhos e perdas?"
Ele diz que a nova regra do artigo, destinada aos regimes
existentes, permitirá a fusão de forma interfederativa. "Deverá ser
diferente dos consórcios públicos atuais, porque será por adesão, pela
manifestação de vontade do ente."
Por: William Castanho e Ana Estela de Sousa Pinto, do
Folhapress
Fonte: Folha PE