Congresso em Foco
- 29/08/2019
Um chamamento público do Ministério da Economia, divulgado
no último dia 22, está gerando grandes questionamentos entre empresas que
operam com programas de descontos para o funcionalismo. O ministério comandado
por Paulo Guedes decidiu criar um clube de descontos para atender todos os
1.270.563 servidores federais ativos e inativos, num momento em que minguaram
os reajustes salariais para tais trabalhadores.
Clubes de descontos são criados com o objetivo de propiciar
às pessoas cadastradas preços menores para adquirir uma gama praticamente
infinita de produtos e serviços, tais como viagens aéreas, hospedagem,
medicamentos, automóveis, serviços médicos e muitos outros. O usuário paga uma
mensalidade à instituição contratada, que negocia parcerias para oferecer
descontos e outras vantagens aos clientes.
Trata-se de um mercado vasto e em pleno crescimento. Segundo
a Associação Brasileira das Empresas do Mercado de Fidelização (Abemf), o
segmento faturou ano passado cerca de R$ 1,8 bilhão, recursos movimentados
pelos titulares de mais de 124 milhões de cadastros individuais. Os servidores
públicos federais formam uma fatia relativamente pequena, do ponto de vista
numérico, desse mercado, mas bastante cobiçada em razão do elevado poder aquisitivo
de boa parte do funcionalismo.
Especializado no atendimento dessa clientela, o empresário
Roberto Camilo, sócio-diretor da Markt Club, não entende por que um ministro de
perfil liberal como Paulo Guedes resolve interferir em um mercado com nítida vocação
para ser integralmente privado. “Esse serviço pode ser prestado ao servidor por
meio das associações e sindicatos que atendem as diversas carreiras”, afirma
ele. Nesse caso, a empresa assina contratos com as entidades para atender aos
seus associados.
“Cartas marcadas”
A principal crítica de Roberto Camilo é quanto à falta de
transparência para a seleção das empresas interessadas. O edital do Ministério
da Economia exige que elas tenham capilaridade nacional, parceria com no mínimo
100 empresas de diversos ramos, plataforma mobile ou web e central de
atendimento preparada para dar conta de pelo menos 127 mil usuários.
Mas, observa o empresário, não há nenhuma indicação sobre os
indicadores ou critérios a serem verificados para distingui-las. Entre as
omissões que lhe chamam atenção estão a falta de regra para desempate e a
ausência de teto para abater os valores dos serviços prestados. De qualquer
maneira, ele já decidiu que não participará da seleção. “Sem um edital
transparente, com regras claras para a seleção, não temos como apresentar uma
proposta”, disse ao Congresso em Foco.
Outro efeito negativo, no seu entender, é a forte
concentração de um segmento econômico que tem natureza concorrencial. Sua
suspeita é que se trate de um “edital com cartas marcadas”. Camilo lembra que o
ministro Paulo Guedes é um dos fundadores do banco BTG Pactual, que recentemente
comprou a Allya Serviços Ltda., uma startup que atua como gestora de clube de
vantagens.
Outra possível concorrente, conforme Roberto Camilo, é a
Dois5f, que está sob investigação do Ministério Público e da Polícia Federal
sob a suspeita de utilizar métodos indevidos para vender seus serviços.
Gravação em poder do Ministério Público mostra o diretor comercial, Andrey
D’Almeida, dizendo a um cliente: “Me parece que você conhece bem quem está por
trás da Dois5f”. É uma referência ao ex-deputado federal Leonardo Quintão
(MDB-MG), que chegou a atuar como assessor informal do ministro da Casa Civil,
Onyx Lorenzoni, no início do governo Bolsonaro.
O que diz o ministério
De acordo com a assessoria de imprensa do Ministério da
Economia, todos os procedimentos seguidos são legais e não existe qualquer
conflito de interesse envolvendo o ministro Paulo Guedes. Conforme a
assessoria, Guedes não tem mais nenhum vínculo com o BTG Pactual.
O Ministério da Economia também nega que o assunto esteja
fora da sua alçada: “Segundo o Decreto nº 9.745, o Ministério da Economia, por
meio da Secretaria de Gestão e Desempenho de Pessoal, é responsável por
formular políticas e diretrizes para o aperfeiçoamento contínuo dos processos
de gestão de pessoas no âmbito da administração pública federal. O ministério
entende que é papel do empregador oferecer iniciativas que motivem e demonstrem
cuidado com os seus profissionais e esta é a finalidade do futuro clube”.
Em nota por escrito, a assessoria afirma ainda: “O edital
segue o estabelecido na Lei 13.019. Segundo a lei, o chamamento público é um
procedimento destinado a selecionar organização da sociedade civil para firmar
parceria por meio de termo de colaboração ou de fomento, garantindo a
observância dos princípios da isonomia, da legalidade, da impessoalidade, da
moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da
vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes
são correlatos”.
“A proposta de criação do Clube de Descontos é oferecer um
benefício exclusivo para os servidores públicos federais. Nada impede que os
sindicatos participem do processo, desde que eles atendam as condições do
edital”, diz a nota enviada ao Congresso em Foco pelo Ministério da Economia.
Por último, a assessoria ressalta que “não será criado um monopólio porque mais
de uma empresa poderá ser credenciada para oferecer o Clube de Descontos ao
servidor”.
O prazo para inscrição dos interessados vai até 11 de
setembro. O resultado final está previsto para ser divulgado até 7 de novembro.
De acordo com o edital, "serão oferecidas como
contrapartidas o potencial número de prováveis participantes ao clube, bem como
a possibilidade de divulgação do mesmo nos canais de comunicação da Secretaria
de Gestão e Desempenho de Pessoal". O termo de credenciamento terá
vigência por prazo de 12 meses, contados a partir da data da assinatura,
podendo ser prorrogado por meio de termo aditivo.
Por Gabriel Garcia