Correio Braziliense
- 04/08/2019
Assim como o resto do mundo, o Brasil entrou na era em que a
privacidade é reduzida à força, e exige mudança no comportamento de
autoridades, executivos, famosos e profissionais
As autoridades brasileiras descobriram da pior maneira que
uma guerra cibernética é travada silenciosamente todos os dias no mundo.
Ocorrem bilhões de ataques virtuais contra empresas, pessoas, órgãos públicos e
nações 24 horas por dia. Com o avanço da tecnologia, que permite uma
comunicação rápida e eleva a atividade humana no meio virtual, surgem também
grandes problemas e situações que exigem ações complexas para serem resolvidas.
Uma série de invasões aos celulares de procuradores da Lava-Jato, do ministro da
Justiça, Sérgio Moro, de jornalistas, ministros do Supremo Tribunal Federal
(STF) e parlamentares é apenas uma amostra dos estragos que podem ser causados
por ações hostis com o uso da internet. Especialistas apontam que o Estado
brasileiro colhe agora o resultado de décadas de atraso no investimento em
segurança da informação e em tecnologias para coibir crimes cibernéticos.
Assim como o resto do mundo, o Brasil entrou na era em que a
privacidade é reduzida à força, e exige mudança no comportamento de
autoridades, executivos, famosos e profissionais que, em apenas um minuto,
podem se tornar o alvo de investidas de grupos mal-intencionados. As mudanças
apontadas para mitigar danos causados pela exposição, sequestro de dados e
destruição de arquivos vão desde alterações nas rotinas pessoais até a
restrição de assuntos que são tratados por meio de aplicativos de mensagens ou
correio eletrônico. Além de pessoas, órgãos públicos inteiros, tribunais e
serviços de comunicação, até mesmo o sistema energético, pode ser alvo de danos
em decorrência da ação de crackers, como são chamados os criminosos virtuais.
Tendência
O livro Guerra Cibernética: A próxima ameaça à segurança e o
que fazer a respeito aponta um cenário ainda distante da atual realidade
brasileira, mas deixa o alerta sobre até onde pode chegar uma investida
criminosa pelos sistemas de internet. Até mesmo governos podem ser autores de
práticas reprováveis. No caso dos procuradores, pelos relatos que foram
informados, até agora, à Polícia Federal e à imprensa, ocorreu um misto de
despreocupação excessiva e ausência de instrução. Uma simples ferramenta, usada
no próprio aplicativo Telegram, por onde supostamente ocorreram os vazamentos,
impediria o acesso ao conteúdo privado. A verificação em duas etapas pode ser
ativada nas configurações do aplicativo, e impede que o conteúdo seja acessado
sem que ocorra acesso ao celular do usuário.
A tendência é de que esses ataques se repitam em todas as
esferas do poder, e se tornem cada vez mais sofisticados, criando uma sociedade
onde a privacidade é cada vez mais restrita. O consultor de segurança digital
Leonardo Sant’Anna, especialista em cibercrime, afirma que os desafios de
segurança digital avançam em um ritmo bem maior que a reação do governo
brasileiro. “Esses tipos de ataques vão continuar. É preciso que se tenha a
percepção de quem você é. Tem que fazer uma análise do nível de risco a ser
submetido. Quanto maior o nível hierárquico e os problemas aos quais se está
ligado, mais necessária é a busca por uma segurança de comunicação.”
Segundo o consultor, mesmo diante dos casos recentes de
invasão, o setor público não tem se adaptado. O Estado precisa adquirir
produtos que façam o bloqueio de ferramentas que são colocadas nos celulares.
Eu imagino que, pelos menos, o ministro Sérgio Moro e os procuradores afetados,
a partir de agora, não vão utilizar o celular da maneira como usavam antes. Não
acessar uma rede de Wi-Fi que não conhecem. Não temos essa cultura de segurança
no setor público. Nas empresas privadas, já temos”, completa.
Assim que os vazamentos dos procuradores da Lava-Jato vieram
à tona, alguns ministros do Supremo Tribunal Federal se preocuparam com o
acesso não só aos seus celulares pessoais, como também aos sistemas da Corte. O
temor é que ocorra o vazamento de processos em segredo de Justiça, inclusive
alguns temas que são considerados de segurança nacional. Nos últimos anos, a
Corte tem investido no ambiente virtual para acelerar o andamento das ações.
Julgamento virtual
Balanço divulgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) mostra
que, até agora, 96% das ações já tramitam por meio eletrônico. Até mesmo
julgamentos são realizados por meio do chamado plenário virtual, onde os
integrantes da Corte tomam decisões públicas ou em segredo de Justiça. O
presidente do STF, Dias Toffoli, destaca que o sistema tem sido reforçado, mas
que uma invasão não pode ser descartada. “Qualquer sistema pode ser alvo de um
ataque. Não estamos livres disso. Mas até o momento, não se registrou nenhuma
investida contra o Tribunal”, diz Toffoli.
Por Renato Souza