BSPF - 15/09/2019
Para não infringir a meta fiscal, governo fica sem dinheiro
para despesas básicas e serviços. Emissão de passaportes pode ser afetada e
houve ministério que, para conseguir fechar as contas, cortou até o cafezinho
A falta de dinheiro está deixando o Brasil perto de um
“shutdown”, a paralisia da máquina pública. Esse estrangulamento orçamentário
ocorre porque o governo precisa respeitar as regras que limitam as despesas
públicas. Em 2019, a equipe econômica precisou cortar despesas para garantir o
cumprimento da meta de resultado primário. Para seguir a regra de ouro (que
impede a contração de empréstimos para pagar despesas correntes), conseguiu
autorização do Congresso em junho para utilizar um crédito suplementar de R$
248,9 bilhões. O descumprimento das metas é crime, e o presidente pode ser
responsabilizado, daí o rigor na sua aplicação.
Como consequência, o governo fez cortes generalizados nos
ministérios com desdobramentos que devem atingir o cidadão comum. Na Receita
Federal, há ameaças de interrupção de emissões de CPFs e pagamento de
restituições. O orçamento do programa habitacional Minha Casa, Minha Vida, de
R$ 2,7 bilhões, é o menor desde a criação, em 2009 — destina-se apenas a pagar
obras já contratadas. Na Polícia Federal, a emissão de passaportes pode ser afetada
e investigações devem sofrer restrições. As verbas para materiais e
equipamentos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq) caíram 87%. A jornada de trabalho de diversos servidores, incluindo os
militares, foi reduzida pela metade. Como medida simbólica, o Ministério da
Economia anunciou medidas drásticas na pasta. Cortou a verba prevista para
manutenção e obras e a assinatura de jornais e revistas, chegando até ao
cafezinho.
A perspectiva para o próximo ano é ainda mais dramática. No
Orçamento de 2020 enviado ao Congresso, o primeiro do governo Bolsonaro, as
despesas com custeio e investimentos devem ficar no patamar mínimo histórico.
Apenas sete ministérios escaparam da tesoura. Os investimentos públicos devem
desabar 29,3% e voltar ao nível que estavam em 2003 como proporção do PIB.
Para se contrapor às restrições imediatas e evitar pedir ao
Congresso autorização para aumentar o déficit (este ano o rombo permitido é de
até R$ 139 bilhões), o ministro Paulo Guedes quer desbloquear R$ 13 bilhões do
Orçamento ainda em setembro. Deseja que Caixa e BNDES antecipem o repasse de
dividendos do primeiro semestre. Também planeja conseguir mais R$ 20 bilhões de
receitas extras até o fim do ano. Mas são soluções paliativas que não atacam o
problema de fundo. A crise é consequência do crescimento acelerado dos gastos
obrigatórios, que deixam pouca margem para os gastos discricionários como luz,
água, telefone, materiais e outras despesas para o custeio da máquina. Além,
claro, da arrecadação frustrada, em função do baixo crescimento.
Pacto federativo
A solução, na visão de Guedes, é um conjunto de medidas que
ele chama de Pacto Federativo. Implicaria eliminar as despesas obrigatórias,
liberando todos os entes federativos para aplicarem seus recursos como julgarem
melhor. O governo e o Congresso também articulam uma mudança nas regras
fiscais, para acionar gatilhos de ajuste nas contas públicas, como a proibição
de aumentos salariais e a redução da jornada dos servidores públicos. Mas isso
leva tempo e precisa evitar o risco de judicialização. Recentemente o STF
derrubou um mecanismo semelhante que fazia parte da Lei de Responsabilidade
Fiscal (LRF), e limitava os salários de servidores em caso de descumprimento
das regras.
Para evitar o colapso, há outra saída, que não foi seguida.
Guedes não atacou o problema dos subsídios, desonerações e benefícios, segundo
o economista Bruno Carazza, do Ibmec. “O governo abre mão de 20% de receita da
arrecadação para beneficiar alguns grupos”, afirma. O governo recém-eleito
poderia ter atuado para atacar as bilionárias e generosas desonerações
introduzidas no apagar das luzes do governo Dilma Rousseff. Mas isso não
ocorreu. Apostou todas as suas fichas na Reforma da Previdência, que atenuará o
problema orçamentário quando for aprovada, mas os seus efeitos só serão
sentidos nas contas públicas nos próximos anos. Além disso, Carazza considera
muito radical a sugestão de Guedes de eliminar as despesas obrigatórias. Por
mais que seja apropriado discutir os efeitos provocados por esses gastos, é
importante lembrar que foram introduzidos para privilegiar rubricas como
educação, segurança, pesquisa e meio ambiente.
Com o problema batendo à porta dos ministérios, outras
soluções surgem. A pior delas é de aumentar o teto de gastos, introduzido no
governo Michel Temer. O próprio presidente Bolsonaro fez essa sugestão, e foi
dissuadido por Guedes. Além do teto não ser o motivo do atual aperto nas contas
públicas, sua eliminação equivaleria a uma “licença para gastar”. As
consequências, no futuro, seriam alta de impostos ou volta da inflação. A
frustração de receitas e o fraco desempenho da economia causaram um choque de
realidade ao ministro. Apenas fatores externos não explicam os números ruins.
Guedes havia prometido zerar o déficit primário no primeiro ano. Não conseguiu,
e está em face de um buraco maior no segundo ano de gestão. Pior, a equipe
econômica projeta que o rombo nas contas públicas permanecerá até 2022, último
ano do mandato de Bolsonaro. Se o Congresso não assumir mais essa negociação, o
esforço de atingir equilíbrio fiscal será comprometido e a população vai pagar
a conta com serviços mais precários — mais uma vez.
Por Marcos Strecker
Fonte: Revista ISTOÉ