BSPF - 04/10/2019
A Comissão de Meio Ambiente (CMA) do Senado promoveu uma
audiência pública para discutir estratégias e boas práticas de gestão e
governança em Unidades de Conservação Federais nesta quinta-feira (3). Porém,
teve o debate desfalcado pelo governo federal. É que o Instituto Chico Mendes
de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) não autorizou três de seus
servidores, que haviam sido convidados para a audiência pública, a comparecer
ao Senado.
O órgão alegou que os servidores estavam empenhados no
atendimento de outras demandas, mas uma representante da Associação Nacional
dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente (Ascema) afirmou
que a ausência revelava a "mordaça" vivida pelos servidores de órgãos
como o ICMBio e o Ibama.
Ao abrir a audiência pública, o presidente da CMA, senador
Fabiano Contarato (Rede-ES), convidou os debatedores para a mesa e informou que
"também haviam sido convidados analistas ambientais do ICMBio, com larga
experiência em unidades de conservação, que não foram liberados pelo órgão a
comparecer a esse debate". Foi a deixa para a secretária-executiva da
Ascema, Elizabeth Uema, que foi como ouvinte para a audiência pública, pedir a
palavra para falar da atual gestão dos órgãos federais de proteção ambiental.
"Não posso deixar de calar em relação ao que está
acontecendo e que vem gerar essa proibição dos servidores de comparecerem a uma
audiência pública chamada pelo Senado Federal. Isso faz parte, na nossa
avaliação, e nós temos muita tranquilidade para dizer isso, de todo o processo
de mordaça que foi infringido aos órgãos ambientais e às autarquias, que a rigor
deveriam ter autonomia", afirmou Elizabeth Uema, que é servidora do Ibama.
"Nem o Instituto Chico Mendes, nem o Ibama podem se pronunciar, se dirigir
à imprensa ou prestar qualquer tipo de informação que não passe pelo gabinete
do ministro Ricardo Salles", revelou a secretária da Ascema.
Ela lamentou, então, a ausência dos servidores do ICMBio na
audiência pública, lembrando que a presença deles seria importante para este
debate já que "o Instituto Chico Mendes é o principal órgão gestor de
unidades de conservação do país e os seus servidores são os que detêm o
conhecimento e a prática da gestão ambiental pública e da gestão participativa
das unidades de conservação".
"Lamentar que esse tipo de mordaça
esteja se estendendo aos técnicos, que viriam aqui falar da sua prática, do seu
dia a dia e contribuir com a gestão ambiental pública", finalizou
Elizabeth.
Contarato recebeu com surpresa o depoimento de Elizabeth e
se colocou à disposição para "coibir qualquer tipo de mordaça, censura,
repressão e assédio moral". "Repudio qualquer ato que venha
caracterizar mordaça em um setor e em um momento tão delicado como o que passa
o estado e o meio ambiente brasileiro", afirmou Contarato.
Quem estava na sessão lembrou que outros casos de questionamento
dos dados ambientais brasileiros já haviam repercutiram negativamente na imagem
nacional nos últimos meses. A discussão sobre os dados do Inpe que mostram o
avanço do desmatamento na Amazônia é um exemplo, assim como as denúncias de
censura que já foram feitas por servidores do Ibama e do próprio ICMBio. Em
carta enviada ao presidente do ICMBio, Homero de Giorge Cerqueira, os
servidores do órgão já pediram até para o governo "pôr fim à política de
assédio e intimidação de servidores, envolvendo, entre outras estratégias, as
remoções de cunho punitivo, o cerceamento à livre manifestação, além de
críticas e insultos às instituições e servidores por parte do alto escalão do
governo federal".
O Congresso em Foco apurou que, dos três servidores
impedidos de ir ao Senado nesta quinta-feira, apenas um foi convidado
institucionalmente para representar o ICMBIo. E o objetivo da Comissão de Meio
Ambiente com este convite não foi discutir ou avaliar a atual gestão federal. O
que o colegiado queria ouvir desse servidor era o seu entendimento prático
sobre a gestão das unidades de conservação. Outro servidor foi convidado pela
experiência acadêmica, porque é especialista em gestão das unidades de conservação
e está fazendo uma pós-graduação sobre o assunto. O terceiro foi indicado pela
Ascema.
Mesmo assim, o ICMBio falou em nome de dois desses
servidores em email enviado à CMA na última sexta-feira (27). A mensagem dizia
que "em função das grandes demandas desafiadoras que enfrentamos, não será
possível viabilizar a presença de representante desta instituição, pois os
servidores com conhecimento técnico da pauta da Audiência em tela estão
empenhados no atendimento das demandas em epígrafe". No mesmo dia, a
comissão do Senado sugeriu que, para evitar contratempos, a participação dos
servidores poderia se dar por meio de videoconferência. Só na manhã desta
quinta, pouco antes do início da audiência pública, o ICMBio disse que nem
assim poderia disponibilizar os servidores para o debate. Já o terceiro
servidor informou nessa quarta-feira (2) que não poderia comparecer à audiência
pública.
Elizabeth Uema se solidarizou com os servidores e explicou
que, apesar da sua disposição de falar sobre o que vem ocorrendo nos órgãos de
proteção ambiental, há um clima muito ruim no ICMBio, em função de questões
como esta. "Tem causado muita insegurança, muito medo de retaliação e
outras medidas que poderiam ser tomadas em relação aos servidores que não sigam
as orientações da casa. Apesar de ser um órgão civil, o Instituto Chico Mendes
está totalmente militarizado. E aparentemente seus dirigentes pensam que estão
em um quartel", declarou a representante da Ascema.
O ICMBio e o Ministério do Meio Ambiente foram procurados
pelo Congresso em Foco, mas ainda não se manifestaram sobre o assunto.
Por Marina Barbosa
Fonte: Congresso em Foco