BSPF - 03/10/2019
Brasília - O Senado aprovou em primeiro turno, na noite
desta terça-feira (1), o texto-base da Reforma da Previdência — foram 56 votos
favoráveis, acima dos 49 necessários. Votaram contra a proposta 19 senadores.
Os parlamentares, no entanto, não concluíram ainda a
apreciação de todos os destaques que podem alterar o texto principal. Ainda na
noite de terça-feira, foram votados quatro destaques — dois foram rejeitados;
um retirado; e outro aprovado, do Cidadania, que altera o texto para garantir a
continuidade do abono salarial (benefício de um salário mínimo) para
trabalhadores com renda de até dois salários mínimos (quase R$ 2 mil). A
proposta do governo era reduzir esse limite para R$ 1,3 mil, o que geraria
economia de cerca de R$ 70 bilhões em dez anos aos cofres federais.
A meta inicial do ministro da Economia, Paulo Guedes, era
que a reforma gerasse economia de ao menos R$ 1 trilhão em uma década. Mas após
as alterações realizadas no Congresso até agora, esse valor está em cerca de R$
800 bilhões agora.
Com a derrota do governo na questão do abono, a votação dos
destaques foi paralisada e deve ser retomada nesta quarta. Após a conclusão
desta etapa, faltará apenas mais uma votação do texto para que a mudança nas
aposentadorias entre em vigor. Quando isso ocorrer, o trabalhador brasileiro
passará, em média, a se aposentar mais tarde e com benefícios menores do que
atualmente. Mas haverá regras de transição para quem já está no mercado de
trabalho. Mas haverá regras de transição para quem já está no mercado de
trabalho.
A Reforma da Previdência precisa receber aval dos senadores
em dois turnos, com redação idêntica à aprovada na Câmara dos Deputados em
agosto, para entrar em vigor porque se trata de uma Proposta de Emenda à
Constituição (PEC). Como o destaque aprovado sobre o abono apenas suprime uma
parte do texto, sem fazer acréscimos, isso não exige que a reforma volte à
análise dos deputados.
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, prevê a aprovação
em segundo turno até 15 de outubro. No entanto, senadores ameaçam atrasar essa
tramitação caso o governo de Jair Bolsonaro não atenda alguns pleitos dos
parlamentares.
A principal reivindicação, segundo Alcolumbre, é que seja
definido logo como se dará a divisão de recursos do megaleilão de petróleo do
dia 6 de novembro com Estados e municípios, que deve arrecadar cerca de R$ 106
bilhões. Isso pode ser resolvido com a edição de uma medida provisória pelo
presidente Jair Bolsonaro, ou caso a Câmara vote uma mudança na Constituição já
aprovada no Senado.
"Eu vou falar com o governo para ver se a gente
consegue fazer esse gesto, esse sinal para os governares para eles ajudarem a
gente na votação (da Previdência)", disse Alcolumbre, pouco antes da
votação em primeiro turno.
Entenda a seguir porque o governo quer a Reforma da
Previdência e quais as principais mudanças previstas no texto aprovado em
primeiro turno no Senado.
Qual o objetivo da Reforma da Previdência?
Desde 2014, o governo federal apresenta deficits bilionários
nas suas contas, refletindo o crescimento das despesas em ritmo mais acelerados
que a expansão das receitas. No ano passado, por exemplo, o rombo foi de R$ 120
bilhões.
Esse aumento das despesas tem sido puxado, em especial,
pelos gastos com Previdência. O rombo da União com aposentadorias e pensões de
servidores civis, militares e setor privado (no Instituto Nacional do Seguro
Social, o INSS) tem crescido rapidamente nos últimos anos e somou R$ 266
bilhões no ano passado, segundo o ministério da Economia.
O aumento reflete o envelhecimento da população, já que a
expectativa de vida do brasileiro aumentou nas últimas décadas, ao mesmo tempo
que a taxa da natalidade (número de nascimentos a cada mil habitantes) está em
queda. Por causa disso, a proporção de brasileiros com mais de 65 anos passou
de 5,6% no ano 2000 para 8,4% em 2015, segundo o IBGE. No mesmo período, a
proporção de brasileiros com até 14 anos caiu de 30% para 22,3%.
Como o sistema de aposentadoria brasileiro é de repartição
(os mais jovens contribuem para pagar o benefício de quem já se aposentou),
esse envelhecimento da população está causando um desequilíbrio entre receitas
e despesas. Dessa forma, o governo quer mudar as regras de aposentadoria para
que o brasileiro se aposente mais tarde e receba benefícios menores.
Quais as principais mudanças previstas na reforma?
Uma mudança importante que atingirá a maior parte da
população é a criação de idades mínimas para aposentadoria. A proposta prevê
que a maioria dos trabalhadores do Brasil, tanto na iniciativa privada como no
serviço público federal, precisará trabalhar até 62 anos, caso mulher, e até 65
anos, caso homem.
Por enquanto, no INSS, vigora um regime misto em que é
possível se aposentar por idade (a partir de 60 anos para mulheres e a partir
de 65 anos para homens) ou por tempo de contribuição (ao menos 15 anos).
Já no serviço público federal, hoje, em geral, são exigidos
60 anos de idade e 35 anos de contribuição para homens; e 55 anos de idade e 30
anos de contribuição para mulheres.
Ou seja, caso a reforma seja aprovada, todos terão que se
submeter à regra da idade mínima, mudança que atinge principalmente pessoas de
maior renda, já que os mais pobres, em geral, não conseguem contribuir por
períodos longos e já se aposentam por idade.
Outra mudança, porém, afetará os homens de menor renda. A
reforma prevê que o tempo mínimo de contribuição exigido deles no INSS suba de
15 para 20 anos para novos trabalhadores (para os que já contribuem para a
previdência, o tempo mínimo continua em 15 anos). Essa mudança afeta os mais
pobres porque eles costumam alternar períodos com carteira assinada com outros
no mercado informal ou desempregados, o que afeta sua capacidade de contribuir
para a aposentadoria.
No caso das mulheres, o tempo mínimo está sendo mantido em
15 anos já que elas, em geral, têm ainda mais dificuldade de contribuir por um
período longo devido à interrupção da vida profissional para ter filhos e à
sobrecarga de tarefas domésticas.
Quem terá regras diferenciadas?
Embora a Reforma da Previdência proposta pelo governo
Bolsonaro seja ampla e tenha impacto sobre a grande maioria dos brasileiros,
algumas categorias continuarão tendo regras diferenciadas, como professores,
policiais federais e agentes penitenciários. Isso permitirá que se aposentem mais
cedo que a maioria.
Os integrantes das Forças Armadas também terão um sistema
diferente, mas ele está sendo tratado em um projeto de lei separado, que ainda
tramita na Câmara. O texto prevê que o tempo de serviço exigido para ingressar
na reserva passará de 30 anos para 35 anos, sem estabelecer idade mínima. A
proposta também preserva os benefícios integralidade (direito a se aposentar
com o valor do último salário) e paridade (continuar ganhando na aposentadoria
os reajustes concedidos aos funcionários ativos), no que é apontado como um
grande privilégio que está sendo mantido para a carreira militar.
As Forças Armadas justificam essa diferença dizendo que os
militares não se aposentam, mas passam para a reserva, podendo ser convocados.
Na prática, porém, um percentual mínimo volta a trabalhar após sair da ativa.
Além disso, a Câmara dos Deputados deixou de fora da reforma
servidores de Estados e Municípios, o que joga para governadores e prefeitos o
ônus de articular nas assembleias estaduais e municipais a alteração dos
regimes de aposentadoria dos seus Estados e municípios.
O Senado pretende aprovar nas próximas semanas uma outra
proposta, chamada de PEC paralela, para facilitar a implementação da reforma da
Previdência em Estados e municípios. O problema é que esse texto também teria
que ser aprovado depois na Câmara, onde o cenário tende a ficar ainda mais
reativo com a proximidade das eleições municipais - é comum que deputados
tentem se eleger prefeitos ou apoiem aliados em suas cidades.
Como ficará o valor dos benefícios para os civis?
Enquanto mantém benefícios integrais aos militares, a
reforma prevê regras que devem reduzir o valor das aposentadorias dos civis.
A proposta é que o trabalhador do INSS que atingir o tempo
mínimo de contribuição terá direito a apenas 60% da média dos seus salários
como aposentadoria. Depois, a cada ano extra de contribuição, a taxa subiria
gradualmente, de modo que só será possível se aposentar com 100% da média da
remuneração ao longo da vida após 40 anos de contribuição, no caso dos homens,
e depois de 35 anos contribuindo, no caso das mulheres. Vale destacar que esse
valor fica sempre limitado ao teto do INSS, atualmente em R$ 5.800.
No serviço público, as regras variam por causa de reformas
da Previdência adotadas em 2003 (que acabou com a integralidade para os novos
contratos) e 2013 (que instituiu o teto do INSS para os novos contratados).
A exigência de 40 anos para ter 100% do benefício valerá
para o servidor público de ambos os sexos contratado após 2013, com valor
limitado ao teto do INSS. Os que entraram no serviço público de 2004 a 2013
terão que trabalhar 40 anos para ter acesso a 100% da média dos salários ao
longo da vida (não mais a média dos 80% maiores), não estando submetidos ao
teto de R$ 5,8 mil.
Já os servidores civis que ingressaram antes de 2003
continuarão tendo direito à integralidade e à paridade, mas terão que trabalhar
um pouco mais. A Câmara suavizou as mudanças propostas pelo governo. Pelo texto
atual da reforma, os que entraram até 2003 poderão se aposentar com valor
integral caso atinjam 57 anos (mulheres) ou 60 anos (homens), desde que paguem
um pedágio de 100% do tempo que faltava para tingir o tempo mínimo de
contribuição exigido hoje.
Dessa forma, o servidor que está a dois anos de aposentar-se
com benefício integral terá de trabalhar mais dois anos, totalizando quatro
anos, para ter direito ao benefício com integralidade e paridade.
Vai ter período de transição?
Para aqueles que já estão trabalhando, a reforma prevê
alguns sistemas de transição para trabalhadores da iniciativa privada e
servidores públicos, que poderão escolher a opção que lhes for mais favorável.
Um deles, por exemplo, oferece um esquema de pontos, que
soma o tempo de contribuição e a idade. Inicialmente, mulheres terão que somar
86 pontos e homens, 96. A transição prevê um aumento de 1 ponto a cada ano,
chegando a 100 para mulheres e 105 para os homens.
Há também previsão de sistemas de pedágio. Um deles prevê
que os trabalhadores e servidores que estiverem a mais de dois anos da
aposentadoria poderão se aposentar caso tenham ao menos 57 anos (mulheres) e 60
anos (homens) de idade e cumpram um pedágio de 100% sobre o tempo restante para
atingir o tempo mínimo de contribuição. Dessa forma, se faltarem dois anos, os
trabalhadores terá que cumprir quatro.
Caso falte até dois anos para atingir o tempo mínimo de
contribuição exigido hoje, o trabalhador poderá se aposentar sem atingir a nova
regra de idade mínima cumprindo um pedágio de 50% sobre o tempo restante. Ou
seja, para quem faltar dois anos, terá que contribuir por três. Essa
alternativa não está disponível aos servidores.
Como ficam as contribuições?
No setor privado, a proposta é tornar as alíquotas um pouco
mais progressivas, cobrando menos de quem ganha menos e mais de quem ganha
mais. Hoje, elas variam de 8% a 11% no INSS. Com a reforma, iriam de 7,5% a 14%
(alíquota máxima efetiva de 11,69%). A proposta reduz levemente a cobrança da
maioria dos trabalhadores que ganham até R$ 2 mil.
Já a cobrança sobre os servidores vai aumentar, caso a
reforma entre em vigor. Atualmente, o funcionário público federal paga 11%
sobre todo o salário, caso tenha tomado posse antes de 2013. Quem ingressou no
serviço público depois de 2013 paga 11% até o teto do INSS, ou seja, não
contribui sobre o valor que supera R$ 5,8 mil.
Pelas novas regras, as alíquotas para os que ingressaram
antes de 2013 serão proporcionais à remuneração, variando de 7,5% para o
servidor que recebe salário mínimo a 22% para quem recebe R$ 39 mil ou mais.
Como a cobrança é gradativa sobre o salário, porém, a
alíquota máxima efetiva ficaria em 16,78% - ou seja, o servidor com salário de
39 mil pagaria R$ 6.544 ao mês em vez de R$ 4.290 como hoje.
No caso dos militares, o projeto de lei enviado ao Congresso
prevê que a alíquota subirá de 7,5% para 10,5%, independentemente da faixa
salarial.
Por Mariana Schreiber
Fonte: BBC News Brasil